Capítulo 19

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2014

Na tela do computador, o relatório que eu deveria estar analisando está longe de ser prioridade agora. A noite está vazia, sem sentido, como sempre. O som distante das máquinas da base da NASA me lembra que o mundo ainda gira, enquanto o meu parou.

Uma vez, em uma das minhas conversas com Valentina sobre o futuro, ela me disse que o trabalho que fazemos aqui na NASA é como tentar entender o universo, um desafio sem fim, cheio de mistérios. Eu gostava disso. Eu costumava ver na nossa vida juntas a mesma ideia, um universo a ser explorado, um caminho infinito à frente. Mas o que me resta agora é um vácuo, uma grande massa escura, sem estrelas, sem direção.

Meus dedos tocam a tela do computador, quase sem querer. Vejo o nome da Valentina em letras pequenas, garrafais, no fim da página, onde está a foto da descoberta dela. O sonho dela foi realizado, no mesmo dia que ela mandou os papéis assinados do nosso divórcio para o meu advogado. Era isso? Era tudo o que restava? A assinatura, que antes me parecia o fim, agora me parece apenas o primeiro passo para o meu naufrágio definitivo.

Eu penso nela, e em como ela se perdeu também, no seu próprio buraco negro. A Valentina, que um dia foi luz para mim, agora se dilui nesse abismo. A perda do Peter a dilacerou de uma forma que não consigo compreender completamente. Eu pensava que éramos uma só, que o luto seria nosso, uma dor compartilhada que nos manteria unidas, mais fortes, mas ao invés disso, ela se afastou cada vez mais, até o ponto de não ser mais a mulher que eu conhecia.

Eu a via, tão distante, como se estivesse observando tudo de fora, como se fosse um espectador da própria vida. Eu sei que a dor dela é a mesma que a minha, mas algo nela mudou. Algo que nunca será reparado.

Como você pode fazer isso? — Me perguntei tantas vezes, mas nunca disse. Se tivesse dito, ela provavelmente teria se fechado ainda mais.

Na base da NASA, tudo parece mais lógico. Aqui, no silêncio das máquinas e das horas vazias, a dor parece ser algo distante, uma teoria que se estuda, uma equação que ninguém tem respostas. Aqui, eu tenho mais controle sobre as estrelas do que sobre meu próprio coração.
Já não sei o que é real, o que é o futuro, o que é passado. Tantas coisas que deixei de fazer e de dizer para ela, agora parecem ser apenas ecos distantes de uma vida que já não existe mais. De alguma forma, eu sinto que somos fantasmas uma da outra, presas a uma memória.

Se um buraco negro suga tudo, então será que existe uma saída para ele? — Pergunto-me em voz alta.

Olho para o computador mais uma vez. A tela brilha com a luz fria de um mundo que não tem o poder de me tocar. Não posso mais voltar ao que éramos. Não posso mais procurar respostas onde não existem mais perguntas. Talvez esse seja o começo, mas ao olhar a tela, percebo que assim como o buraco negro, tudo vai se perder ali. Mais um dia que se vai. Mais uma noite que se encerra. E no fim, apenas eu e a minha solidão.

O relógio na parede da base marca três e meia da manhã. O silêncio agora é pesado. Os sons da estação, que antes pareciam quase reconfortantes, agora são como um sussurro distante, lembrando-me de tudo o que está faltando. Me levanto e caminho pelos corredores, até chegar no refeitório da base.

As luzes são fracas, como sempre, escolho uma lata de refrigerante sem pensar muito, o habitual, algo que me traz um leve conforto, mas sei que é só ilusão. Pego também um salgadinho. Isso não vai matar minha fome, não vai preencher o vazio, mas é o que há. Já não espero mais nada além disso.

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