Satoru Gojo
Ariana me encara e morde o sanduíche de atum, sem dizer nada.
Na verdade, nenhum dos meus irmãos disse nada em quarenta e cinco minutos, e está começando a me irritar.
— Ok, o quê? Por que vocês dois estão tão calados?
Arrancando a crosta do queijo grelhado, Luke olha para mim.
— Do que devemos falar?
— Qualquer coisa — murmuro, jogando a cabeça na mesa. — Por favor, meninos, não quero ficar sozinho com meus pensamentos agora.
Eles compartilham um olhar, Ariana exala devagar.
— Bem, tem… muita coisa pra se falar.
— Sim — Luke concorda. — Para começar, Mamma e Suguru? Nojento. Aliciamento, não é? Meio que espero que Papà conte aos Anciãos.
Minha têmpora lateja, as memórias da noite passada como ferro escaldante derramando no meu cérebro.
— Não é bem a direção que eu estava esperando.
Não parei para pensar tanto na realidade de tudo o que aconteceu, e quando Suguru apareceu no teatro ontem à noite, deixei o ciúme e a mágoa afetar meu bom senso. Deixei que ele me fodesse num lugar público, onde meus pais poderiam ouvir.
— Ei — Ari diz, apontando uma batata frita ondulada para mim. — É pegar ou largar. Ou você conduz a conversa, ou outras pessoas escolhem os tópicos. Essas são as regras da sociedade.
Luke bufa.
— Quem fez as regras?
— Eu. Agora mesmo. — Ariana pega o celular, mexendo em silêncio por alguns instantes, antes de o virar para mim. Um artigo de notícias está na tela, com a data de hoje de manhã.
“PRIMEIRO FILHO DOS GOJO RETORNA A BOSTON DEPOIS DE FINGIR SEQUESTRO; A EMPRESA DO PAI ANUNCIA MUDANÇA DE PESSOAL, NOVOS INVESTIMENTOS.”
— Você prefere falar sobre isso?
A manchete faz meu sangue ferver, amplificando minha raiva em relação aos meus pais, afundando-me ainda mais. Não os vejo desde que saí de casa ontem; em vez de ficar na cobertura onde estava, fui para o apartamento da Torre do Milênio da Nonna, confiante de que Suguru não iria atrás de mim lá.
Não que ele não pudesse, mas que escolheria não o fazer.
E ele não veio.
Mesmo que isso significasse que Suguru recebeu minha mensagem em alto e bom som, eu ainda não conseguia evitar a pequena semente de esperança que se incorporava na minha psique, desejando que ele fosse atrás de mim outra vez.
Que não haveria limite para o número de vezes que ele me perseguiria até os confins da terra, não importa quantas vezes eu o afastasse.
Claramente, esse não é o caso.
Meus pais também nunca entraram em contato, embora depois de deixar meu celular no teatro, suponho que cortei mesmo a comunicação com eles.
Claro, nenhum dos dois tem ideia de que sei do apartamento da Nonna, o que significa que jamais me procurariam aqui.
Eu só descobri isso depois de sua última festa de Ano Novo, quando ela se recusou a pegar um táxi do bar de um hotel na rua, ressaltando que tinha um apartamento secreto no edifício de luxo.
Sorte a minha, pelo visto.
— O que há para falar? — digo, afastando o celular. — Pelo menos o mundo sabe agora que Suguru na verdade não me sequestrou.
— Sim, mas acham que você é um mentiroso. — Ari semicerra os olhos para o telefone, franzindo os lábios. — Ou, achariam, se a foto de uma certa estrela do rock não tivesse tirado você dos holofotes.
Dou de ombros.
— Eles podem pensar o que quiserem. Eu sei a verdade.
Luke, limpa a boca com um guardanapo.
— Você não acha que é estranho, apagar a história do sequestro e revitalizar a empresa ao mesmo tempo?
— Na verdade não. Comigo de volta à cidade, como eles continuariam com as mentiras?
Balançando a cabeça, Luke se encosta na cadeira, suspirando.
— Parece suspeito.
— São negócios, querido — Ari diz, exagerando a voz ao falar.
Ela e Luke irrompem em risadas, seus ânimos despreocupados tentando ao máximo me animar, mas quando meu olhar passa deles e vê o porto ao fundo do restaurante à beira do cais, a tristeza inunda as rachaduras do meu coração, evidenciando que alguém mais esteve lá também.
— Então, o que vai fazer? — Luke me pergunta, bebendo água. — Você não está na faculdade, seu casamento está… no limbo. Você vai atrás dele?
— Ele dormiu com nossa mãe, Luke. — Ariana olha feio para ele. — Nojento.
Luke revira os olhos.
— Faz o quê? Mais de uma década? Não é como se tivessem continuado o relacionamento, ele deixou nossa mãe e logo depois se deu para Satoru.
Meu nariz enruga, embora ele tenha razão.
— Se você o ama — Luke acrescenta, ajustando os óculos. — Então, você o ama. Simples assim. Isso não desaparece, não importa a situação.
Suspirando, empurro a comida no meu prato, mergulhando nesse sentimento, em busca da verdade.
O que faço com o amor no meu coração se eu não puder direcioná-lo para ele?
Quando volto para a casa de Nonna mais tarde, com bolo nuvem embrulhado em papel alumínio e um velho iPad que Ariana levou para eu me conectar ao Wi-Fi, tiro a roupa e me deito na cama por um tempo,
tentando buscar conforto no silêncio, como Suguru sempre parecia encontrar.Mas tudo o que faz é me lembrar que ele não está por perto para ajudar a preenchê-lo.
A dor e a traição que senti ontem à noite voltam rugindo, queimando minhas entranhas, enquanto ameaçam derrubar todos os desenvolvimentos emocionais que tive nos últimos meses.
Em vez de tentar enfiá-los goela abaixo, enrolar-me em uma bolha e me curvar para atender às expectativas das outras pessoas, libero tudo. Soluços assolam meu corpo enquanto olho para o teto, com dor e sofrendo por mim, por Suguru por minha família.
É uma sensação estranha, sofrer pelo que não está perdido, mas pelo que falta ou pela ausência de algo. Parte de mim quer reconhecer a acessibilidade dessas coisas, enquanto a outra sabe que preciso de tempo para entender tudo.
Mas saber disso não ajuda muito.
Então, em vez de ficar deitado sentindo pena de mim mesmo, escorrego da cama, tomo um banho de banheira e uso um pouco dos óleos essenciais da Nonna, depois tiro meu diário da minha bolsa e escrevo tudo.
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Estamos chegando ao fim de Devotion, mas por sorte já estou planejando uma nova fic! Dessa vez tem a temática bem diferente do “normal”, romantasia.
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-» Devotion / Satosugu
RomanceSatoru: Para a maioria, Suguru Geto é um vilão. Prenúncio da morte, guardião das almas, frequentador de pesadelos. Doutor Morte. Hades encarnado. Dizem que ele me roubou. Usurpou minha noiva e encheu as rachaduras no meu coração com promessas vazias...