ENRICO VITALE
Não sei quanto tempo perdi em meio ao emaranhado de papéis. A comida esfriou há longas horas, nem sequer cheguei a tocá-la. Não me comprometi em almoçar ou jantar com Alessia, não enquanto minha mente continuava perturbada desse jeito. Ela me deixava confuso, brincava com meus pensamentos. Uma hora a vejo como inocente, na outra, ela é minha vingança arquitetada.
A noite se arrasta em silêncio. Meus dedos deslizam lentamente sobre a superfície da mesa enquanto a última frase de Marina ecoa na minha mente.
A fera também precisa saber ser gentil, Vitale.
Minha mandíbula se contrai. Gentileza nunca me trouxe nada além de fraqueza. Foi assim com Giulia, foi assim com meu pai, e se eu deixar, será assim comigo também. E, ainda assim, estou aqui, considerando a porra da gentileza. Passo as mãos pelo rosto, empurro todos os papéis para longe e me levanto. O escritório está quente demais, sufocante demais, e minha paciência está no limite.
Desato os três primeiros botões da camisa, notando a pouca claridade no ambiente. Já está tarde, se passou um dia inteiro e mal notei.
Subo as escadas, soltando um suspiro cansado. Caminho pelo corredor em direção ao meu quarto, quando abro a porta, o ambiente está mergulhado em penumbra, iluminado apenas pelo brilho suave da lua filtrado pela cortina. Alessia está deitada na cama, mas não dorme. Seu corpo está imóvel, mas seus olhos estão abertos, fixos em um ponto qualquer no teto. A essa altura pensei que ela já tinha voltado para o seu quarto.
Dou alguns passos para dentro, e o som dos meus sapatos contra o chão de madeira faz seu olhar finalmente se mover na minha direção. Há um vestígio de hesitação ali, uma tensão contida nos ombros magros.
— Você não estava dormindo. — Minha voz quebra o silêncio.
Ela desvia o olhar de volta para o teto.
— Acho que desaprendi.
Cruzo os braços e me encosto no batente da porta, observando-a.
— Isso começou antes ou depois de Gabriel?
Seu maxilar se trava.
Aguardo.
Ela vira o rosto para o outro lado, encarando a parede agora. Seu corpo parece ainda menor sob os lençóis, como se quisesse se esconder.
— Antes — murmura.
Minha testa franze. Não esperava uma resposta, muito menos essa.
— Quanto tempo antes?
— Não sei. — Alessia solta uma risada sem humor. — O tempo ficou meio... confuso, depois de um tempo.
Minha mão aperta levemente a beirada da porta. Meu olhar se estreita. Há algo não dito ali, algo que ela não está pronta para compartilhar.
— Você passou o dia todo aqui? — pergunto, mudando o foco.
Ela assente.
— Não desceu para comer nada?
— Não...
Minha mandíbula se contrai.
— Está tentando morrer de fome agora?
Ela aperta os lábios, hesitante, antes de soltar um suspiro.
— Eu só... não vi a hora passar.
Mentira.
E pelo jeito como seus dedos se agarram ao lençol, ela sabe que eu sei.
Seguro a língua antes que algo mais rude escape. Porque, honestamente, a ideia dela passar o dia inteiro sem comer nada me irrita mais do que deveria. Quando a trouxe para esta casa, Alessia já parecia um fantasma—magricela, pálida, quase sem forças para manter-se de pé. Gabriel deve ter feito isso de propósito, um método a mais para garantir que ela nunca fosse muito longe.
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🐍🌹A FERA DE ROMA🐍🌹 •EM ANDAMENTO•
Romance18+ Ele é movido pela sede de vingança. Ela anseia desesperadamente por liberdade. Após passar anos aprisionado em Ekbram, Enrico Vitale enxerga uma chance de retornar a Roma e buscar vingança pela tragédia que levou sua família e noiva. Em meio ao...
