Dedico esse livro ao meu avô, Joel Mancini, patrocinador incondicional dos meus sonhos.
Subterfúgio: s.m.
1.Manobra ou pretexto para evitar dificuldades;
2.Evasiva;
3.Estratagema;
4.Meio engenhoso de esquivar-se dos problemas.
A PAISAGEM DO ATERRO DO FLAMENGO parecia cinza, mesmo em um dia de sol como aquele, apresentando uma imagem que eu nunca tinha visto antes. Minha visão só era capaz de registrar cenas turvas e aceleradas.
Durante minutos que mais pareciam horas, eu corri, passando pelos vendedores de água de coco, por jovens jogando bola e por crianças que brincavam distraidamente na areia.
Sempre busquei refúgio nos sentimentos leves e otimistas que eu conseguia furtar das pessoas que despreocupadamente gastavam suas tardes de quarta-feira aproveitando o sol e o clima daquele lugar. Dessa vez não estava funcionando.
Quando cheguei perto do aeroporto, sendo capaz de ver os aviões que decolavam e pousavam, como se cada um deles fosse mergulhar na água ou não subir o suficiente, andei cambaleando até uma parte coberta de grama, onde sentei e chorei, liberando cada lágrima que eu achava que nem mesmo poderia existir naquele ponto.
Uma parte de mim foi arrancada e eu estava aprendendo a conviver com isso. Agora, eu teria que ir embora daqui: meu subterfúgio.
O lugar que eu deveria chamar de casa, onde eu cresci e vivi até meus quinze anos, era pequeno demais para mim e meus poderes mal controlados. O único motivo que seria capaz de me fazer querer voltar não fazia mais parte desse mundo. No entanto, como sempre, na minha ainda breve vida, estava tomando decisões para a felicidade de outras pessoas.
Depois de oito anos longe, como seria ver certas pessoas? Me senti ridícula pensando no menino por quem eu era apaixonada de forma tão exagerada. Percebi que me deixava com muito medo o fato de me encontrar com ele.
Sem saber por quanto tempo fiquei sentada na grama, daquela forma deplorável, me levantei e comecei a percorrer o caminho de volta. Notei que levava comigo uma bolsa, com carteira, celular e as chaves do apartamento. Não me importava se alguém levasse. Nada daquilo importava.
De forma estranha, cada imagem que passava por mim enquanto andava, parecia ter retomado a cor, como um lembrete de que era aquilo o que me restava. Meu cérebro ordenava que meus olhos fotografassem cada centímetro daquela paisagem.
Me permiti parar e sentir as vibrações de um dos caras que jogava futebol na areia. Como é bom fazer o que a gente gosta! De uma das crianças, retirei aquele sentimento complexo, que perdemos quando crescemos, onde tudo parece tão vazio e cheio ao mesmo tempo: a inocência repleta de esperança ao querer descobrir todas as coisas que podemos viver.
Ano passado, e agora já se passaram quase seis meses, aprendi a lidar com a morte da pessoa que mais amei na vida, e eu acho, que foi quem mais me amou também. Nossa ligação, sem nenhuma explicação em vida, continuou sem explicação depois da sua morte. Tudo que eu tinha era um vazio que não conseguia preencher. Era triste ter que fechar os olhos e me afundar nos meus próprios sentimentos.
Agora, eu deveria me despedir outra vez. Mesmo com todas as malas prontas, não estava preparada para ir embora do Rio de Janeiro, mas não era uma escolha feita por mim, para o meu benefício. Estava voltando para a cidade que nasci, e em nenhum momento isso parecia ser bom.
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Subterfúgio: não há tempo para pensar
Science FictionComo seria a sua vida se pudesse sentir os sentimentos de outras pessoas apenas com um olhar? Esse poder, que acompanha Nina desde que nasceu, faz dela vulnerável e privilegiada ao mesmo tempo. A mesma capacidade que a faz criar subterfúgios, recorr...