CAPÍTULO 4 - CADA LEMBRANÇA, UMA SENTENÇA

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PENSANDO EM TUDO, conformada com a vida em New Peopple, escondendo de mim aquele sofrimento que era tentar preencher o vazio da perda, a imagem do Miguel me veio à cabeça. Um Miguel de dezesseis anos, utilizando o uniforme da escola. A última recordação que eu tenho dele antes de me mudar para o Rio de Janeiro.

Lembro com perfeição das expressões e sentimentos. Também, é impossível esquecer. Aos quinze anos, tudo é sentido com uma intensidade amplificada.

Miguel foi meu primeiro e único amor. Pelo menos, eu acho que foi, e nesse caso, confesso que morro de medo de me deparar com ele e perceber que era uma ilusão adolescente, e que eu não sou capaz de amar alguém que não seja um familiar.

Depois do Miguel, com quem dei meu primeiro beijo, fiquei com alguns caras, no entanto, ninguém nunca conseguiu me fazer chegar perto daquele sentimento.

Quando você consegue sentir o que a outra pessoa sente... Bom, ou a pessoa gostava muito de mim, e quando eu estava longe dela, meus sentimentos pareciam bobos e egoístas, ou, a pessoa não gostava nada de mim, e aí, era um pouco melhor, porque me divertia e ficava no que minha irmã chama de "jogo de fazer você me amar", tentando conquistar o cara.

Na minha cabeça, continuo repassando a última frase que eu falei para aquele que eu penso ser minha única oportunidade de amar outra vez: "se você vai, eu não vou". Dentro de mim, uma paixão quase incontrolável que me fazia querer pular nos braços dele e implorar para que ele me beijasse e dissesse que seria meu para sempre.

Para ser sincera, nossa história não é muito romântica, exceto pela intensidade de cada momento. Conheci o Miguel quando eu tinha doze anos, um mês antes de completar treze. Nunca, na minha vida, irei esquecer daquele dia. Era a aula de apresentação do início do ano letivo, eu estava para iniciar o oitavo ano do ensino fundamental, que naquela época se chamava de sétima série.

Entre, aproximadamente cem alunos em um auditório, nossos olhares se cruzaram, e eu, que já havia meio que me "apaixonado" diversas vezes, por períodos não maiores do que uma semana, quando sofria e me desfazia da paixão adolescente por depois saber que não era correspondida da mesma forma, me senti como se atraída por um imã.

Em todas as minhas "paixonites" anteriores, nunca contei nada para ninguém. Nem mesmo a agenda-diário, que implicitamente não te permite esconder nada, sabia. Em alguns casos, uns garotos até gostavam de mim também, porém, não queria arriscar nada, então guardava tão secretamente meus sentimentos e pensamentos, que o "pretendente", sem nenhum sinal, rapidamente se apaixonava por outra. Adolescente e pré-adolescente fazem isso.

Estranhamente, o sentimento do Miguel parecia exatamente o mesmo do que o meu. Eu não sabia o nome dele, não sabia onde ele morava, não conhecia sua família, nem as coisas que ele gostava. Sabia que eu estava perdidamente apaixonada, e isso levou um segundo para acontecer. Era um sério problema.

Tudo que eu mais queria era contar para todo mundo. Entretanto, durante três meses, evitei olhar para ele. Éramos do mesmo ano, em classes diferentes. Não arriscava deixar de utilizar a medicação como o médico tinha indicado para as aulas.

Enquanto em todas as minhas outras paixões adolescentes eu ansiava pelo momento em que poderia analisar os sentimentos do menino por mim, com Miguel era diferente, sempre foi.

Durante três meses me dediquei a aprender tudo que podia sobre ele, utilizando só o tradicional e normal método: fofoca. Fiquei sabendo que ele era um aluno novo e muito inteligente. Percebi que tinha uma irmã mais velha e que a mãe deles os buscava na escola todos os dias. Decorei a placa do carro.

Nesse tempo, já sabia onde ele morava, o nome da irmã dele e dos pais. Sabia que ele tinha um gato (e eu amo gatos!). Não só isso, sabia o nome do gato, o tipo de música que ele ouvia e minhas possíveis "oponentes". Nesses assuntos, fofoca funciona melhor do que "empatia exacerbada": você fica informada e ainda se protege contra decepções indiscutíveis.

Subterfúgio: não há tempo para pensarOnde histórias criam vida. Descubra agora