- CALMA AÍ, DEIXA EU VER SE ENTENDI, você tem uma coleção com centenas de livros, todos eles são catalogados. Um deles estava na ordem errada, e você tem certeza que alguém entrou aqui por isso? – Miguel reagiu.
- Sim! Eu não sou a rainha da organização, ao contrário! Em algumas coisas apenas, sou muito chata! A Bianca é chata em quase tudo. Por exemplo, se eu esqueço meu carregador de celular no trabalho, ela não gosta de emprestar o dela, por isso, eu tenho dois. O de casa nunca sai de casa, e quase sempre está na tomada perto dos livros, já o do escritório, não sai da bolsa quando estou em casa!
Os dois me olhavam, continuei:
- Por isso, todo dia a noite eu passo pela estante pelo menos três vezes! Uma para colocar o celular para carregar e checar o despertador, outra para pegar um livro para ler ao deitar, e por fim, outra para devolver o livro antes de dormir! De manhã, eu vou até lá desligar o despertador e volto para pegar o celular! Tenho certeza, esse livro não estava fora de ordem! Além disso, eu nunca deixo a porta do banheiro aberta! Nunca!
Bianca assentiu:
- É, a Nina é muito chata com esses livros mesmo. Se eu mexer, ela repara, até se eu colocar na ordem. Não tem como esse livro estar errado...
- E eu verifiquei! Eu li esse livro tem dois anos! Eu não teria mexido nele, exceto para limpar. Mas, eu limpei tem mais de uma semana! Não tem como ficar fora de ordem nem por um dia, o que dirá uma semana inteira! – Agora, eu era quem soava desesperada.
- Bom, então alguém quer uma coisa que você tem – Disse Miguel.
- No entanto, eu não tenho nada que possa ser importante para alguém! – eu respondi.
Ficamos em silêncio pensando. Alguém entrou na minha casa, revirou minhas coisas. Eu não consegui pensar em nada que pudesse interessar a alguém, até que Miguel gritou:
- Tem sim! Nós três temos! Quem sabe o que você faz? Você contou para alguém?
- Lógico que não! Passei a vida nessa cidade e não tenho nenhum amigo de verdade! Você era o mais próximo de mim! Será por que? Na faculdade também não fui próxima de ninguém! Desde que eu cheguei, não procurei nenhuma das minhas "quase amigas" do colégio. Meu celular tem uns vinte nomes na agenda! Só familiares e pessoas que eu trabalho. Assim mesmo, só falo com essas pessoas quando estou na fábrica, ou em algum assunto relacionado a ela! – respondi, quase que gritando.
- E você? – Miguel se virou para Bianca.
- Óbvio que não, também! Quem iria querer ser paciente de uma médica que quando te examina fica sabendo dos seus segredos? – Bia respondeu.
Ficamos calados. Eu estava ficando doida! Falei:
- Miguel, você já sabe de tudo aqui! Precisa falar com a gente também! De onde você veio? O que você estava fazendo lá? Por favor!
- Bom, minha história, é isso que vocês querem? Algumas coisas andam estranhas, porém, não acredito que vá ajudar. Vamos lá.
Eu sentei no chão mesmo e Miguel começou a falar:
"Vocês me conhecem como Miguel Alcântara. Em uma época, eu fui Miguel Lemen. Nasci e fui para um orfanato, o Lar da Entrega, na cidade de Inter, aqui em Leni também. Quer dizer, fui deixado lá, sem nenhuma informação, só meu nome e sobrenome. Não sei quem são meus pais de verdade.
Quando eu era bem pequeno, eu fui para uma casa pela primeira vez e estranhei o lugar. Acho que tinha quase um ano. Hoje eu entendo. A família realmente queria um filho e tinham me adorado. Acontece, que criança chora, quer as coisas e tal. Quando eu acordava no meio da madrugada e alguém ficava irritado, eu não sabia que estava lendo os pensamentos, parecia que estavam gritando comigo.
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Subterfúgio: não há tempo para pensar
Science FictionComo seria a sua vida se pudesse sentir os sentimentos de outras pessoas apenas com um olhar? Esse poder, que acompanha Nina desde que nasceu, faz dela vulnerável e privilegiada ao mesmo tempo. A mesma capacidade que a faz criar subterfúgios, recorr...