DE FATO, RAPIDAMENTE ATRAVESSAMOS AS ÁRVORES. No perímetro urbano, o caminho para a estrada principal não era tão longe. Caminhamos, quase correndo, em silêncio, por uns vinte minutos, sem que eu olhasse para ele, paramos rapidamente para tirar os casacos, eu tinha vestido o meu antes de sair, mas, fiquei com calor.
Quando chegamos ao nosso destino, nossos olhares se cruzaram, no mesmo momento em que podíamos enxergar um posto de gasolina.
- Olha! Um posto! Graças a Deus! Vamos comer, estou quase desmaiando de fome! – eu disse, enquanto corria naquela direção com ele me seguindo.
Entrando na loja de conveniência, vi nosso reflexo pela porta. Eu vestia a saia branca plissada, com a blusa de seda preta ainda para dentro, e permanecia com o sapato de salto, segurando o casaco e a bolsa. Ele estava de tênis, calça jeans e uma camisa preta, também tinha tirado o casaco, que me fez ver como os oito anos só o fizeram bem.
Sentamos em uma das mesas, e uma atendente veio. Ele pediu um hambúrguer daqueles que são feitos no micro-ondas e um suco grande. Olhou para mim, eu estava pensando em pedir o mesmo, mas com coca zero, além de um saco de batatas fritas.
- Ela vai querer um hambúrguer também, uma coca zero e vamos dividir um saco de batata frita daquele grande. Obrigado. – Disse ele sorrindo para a atendente, que saiu.
Parecia que eu estava em um daqueles sonhos onde nada faz sentido, mas que, de alguma forma, parecem que são reais. Eu não entendia absolutamente nada. Eu precisava falar, mas, sabia que não iria sair como eu gostaria:
- Tudo bem! Ai meu Deus... Miguel? O que está acontecendo? Por quê isso? – falei contendo o choro.
- Não sei Nina... Desculpa...
Eu fui invadida por uma raiva violenta. O que eu estava fazendo naquela lanchonete com ele? As frases dele que mais me machucavam sempre terminavam com um pedido de desculpas.
- Você já era na minha vida! – falei um pouco mais alto do que previ, mesmo sabendo que era mentira - E aí, do nada, reaparece! O que está acontecendo? Como você falou sobre os sentimentos que eu sinto? Pelo visto, eu continuo sendo a boba de sempre, em que você sabe de tudo e eu não sei de nada!
- Não sabe nada? Você sabe o que eu estou sentindo! Acho que nós dois não sabemos de muita coisa, enquanto sabemos de muitas outras ao mesmo tempo! Vamos começar a compartilhar essas informações. Para começar, podíamos ser mais honestos dessa vez.
- Honesta? – gritei – Eu não fui honesta? Eu te amei tanto! Como você sabe isso sobre mim?
Tudo soava desespero. A situação era tão inusitada, que eu nem mesmo parei para pensar que foi esse o momento que eu mais temi, por oito anos.
Ele simplesmente falou, como quem sussurra:
- Eu leio pensamentos. Você sente os sentimentos das outras pessoas. Você nunca me contou isso. Acho que isso não faz de você exatamente honesta comigo...
- O que? – eu interrompi aquela sequência de insanidades, queria gritar, mas mantive o tom bem baixo – Você lê pensamentos? Meu Deus! E eu não fui honesta com você porque não contei meu maior segredo? Quando, tecnicamente, não tinha absolutamente nenhum motivo para fazer isso, já que não foi pelos seus sentimentos, mas, ouvindo de você, que descobri que você não me amava como eu te amava!
- Eu nunca disse isso! – ele reagiu – Mas, quantos anos a gente tinha? treze? quinze?
Seguiu um silêncio. Várias pessoas olhavam para aquele casal brigando. Obviamente havia mágoa em ambos os lados. Já era o suficiente. Eu estava muito confusa. Tentei falar algo sensato:
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Subterfúgio: não há tempo para pensar
Science FictionComo seria a sua vida se pudesse sentir os sentimentos de outras pessoas apenas com um olhar? Esse poder, que acompanha Nina desde que nasceu, faz dela vulnerável e privilegiada ao mesmo tempo. A mesma capacidade que a faz criar subterfúgios, recorr...