QUANDO MIGUEL PAROU DE FALAR, nós três ficamos em silêncio. Senti que tinha sido muito injusta com a minha vida, com Deus, com meus pais. Até hoje, vivi nesse "quase vivendo", todos os dias, porque nunca podia me aproximar muito de outras pessoas e ter uma vida normal.
Depois, comecei a me rotular como uma vítima fatal, porque, como meu tio parecia ser a pessoa que mais me entendia, superando até mesmo a Bianca, que tinha o mesmo "dom", e o amor que sentíamos um pelo outro era tão intenso e especial, como se ele fosse meu pai e um super-herói ao mesmo tempo, achei que a partida dele foi um ato de maldade contra mim.
Comecei a pensar em tudo que eu tive. Desde cedo, meus pais buscaram me ajudar. Meu tio me protegeu de tudo que pode. Eles me apoiaram durante toda a faculdade e agora, fizeram essa casa linda para mim e para a Bianca.
Além disso, eu nunca fui sozinha. Meus pais sempre estavam comigo. Meu tio me amava como se eu fosse a pessoa mais incrível do universo. E, desde que fiz um ano, existe a minha irmã. Quando passei a entender as coisas melhor, já sabia que era diferente, mas, não era a única. Nunca busquei uma razão, como o Miguel fez. Eu me acomodei. Eu quase vivi todos esses anos porque eu quis. Eu me fiz assim: a vítima.
Meus pensamentos foram quebrados pelo toque do telefone de casa. Levantei e atendi:
- Oi
- Bianca? Nina? – era a voz do meu pai do outro lado.
- Oi pai, é a Nina – respondi.
- Oi filha, estou ligando para o seu celular e para o da sua irmã. Só dá caixa-postal. – ele falou.
- Ah... pois é. Acabou a bateria, estávamos conversando, esquecemos de carregar. Eu ia pegar agora para saber se você falou com o seguro.
- Falei. Eles já buscaram o carro. Parece que você bateu com tudo em alguma pedra afiada, ou o pneu estava baixo e...
- É, imaginei que fosse uma pedra – interrompi – mas, eu estava indo devagar. Aquela estradinha é muito deserta, vou começar a pegar a principal semana que vem.
- Pode ser melhor mesmo – disse meu pai, pensativo – De qualquer forma, eles vão entregar o carro amanhã, aí, quando vocês vierem almoçar, você espera e eu te levo na oficina para pegar.
- Está bom pai... até amanhã então. Boa noite. Beijos
- Boa noite meu amor, beijos na sua irmã – meu pai desligou.
Depois de colocar o telefone de volta na base, voltei a sentar no sofá com minha irmã e meu "novo velho amigo". Não sabia como reagir ao fato de que tinham voltado e retirado o artefato que furou o meu pneu.
- O seguro já pegou meu carro – falei para Bianca e Miguel – a armadilha não estava mais lá. Disseram que deve ter sido uma pedra.
- Os caras voltaram. Então, já sabem que você caiu na armadilha – disse Miguel.
- É... o pior é se eles acham que a Nina sabe porque eles estão atrás dela, já que ela não sabe. Quer dizer, eles estão em vantagem! – Bianca completou.
- E eu tenho certeza que não era um assalto. Alguém entrou aqui em casa hoje! – eu falei.
Novamente o silêncio. Nenhum dos três, com os seus "poderes", podia fazer nada sobre isso. Miguel quebrou o silêncio:
- Meninas, eu não quero apavorar vocês, mas, se eles entraram aqui, vocês não acham melhor avisar aos seus pais?
- Você tem razão! Mas, minha mãe vai ficar apavorada! Ela vai surtar e vir para cá na mesma hora! Não sei o que é melhor fazer. – Bianca respondeu.
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Subterfúgio: não há tempo para pensar
Science FictionComo seria a sua vida se pudesse sentir os sentimentos de outras pessoas apenas com um olhar? Esse poder, que acompanha Nina desde que nasceu, faz dela vulnerável e privilegiada ao mesmo tempo. A mesma capacidade que a faz criar subterfúgios, recorr...