CAPÍTULO 2 - A HISTÓRIA DO QUE NOS FAZ NÓS MESMOS

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CHEGAR EM NEW PEOPPLE FOI HORRÍVEL, como previ. Fora o trocadilho utilizado incorretamente, essa gente antiga é difícil de engolir. Graças a Deus estava medicada e os danos foram menores.

Encarar aquelas pessoas foi um verdadeiro martírio para mim. Por quê todo mundo me pergunta sobre como estou após a morte do tio Eduardo? O que será que elas querem ouvir? No fundo, eu sei que é uma questão de educação, e que, as pessoas não encaram os sentimentos como eu. Ninguém quer saber como eu estou, porque saber sobre si mesmo já é muito difícil.

Não foi por acaso que durante os mais de oito anos em que morei no Rio de Janeiro não voltei à New Peopple, exceto no fim do ano passado, para o velório do tio Eduardo, naquele "adeus" fictício.

Foram anos agradáveis, morando em uma cidade onde pouca gente me conhecia, e conhecendo superficialmente as pessoas, na medida do possível. Cinco desses anos, passei entrando e saindo de uma faculdade onde não me esforcei para fazer amigos, no entanto, que me ensinou muito sobre Direito e Justiça, o que, diga-se de passagem, são coisas completamente diferentes.

A minha irmã gosta de uma frase do Veríssimo que fala sobre aqueles que quase morrem, porém, ainda estão vivos, enquanto os que quase vivem, já morreram. Eu resolvi encarar assim: uma quase vida ou uma morte, mas, amena.

Desde que acabei a faculdade até um mês antes da mudança, trabalhei em um escritório, na área especializada em Direito Previdenciário, o que me afastava das pessoas, já que as consultas nunca eram feitas por mim, que preferia a pacífica companhia do computador. Ele era "a minha praia", onde navegava em minhas leis, surfava em meus recursos e mergulhava nas minhas pesquisas. Depois, era mandar ao contador, e pronto!

Nos feriados e datas comemorativas, meus pais e meu tio Eduardo nos visitavam, aproveitando para rever velhos amigos e passear um pouco. O Rio é uma cidade muito boa. Claro, que o fato de estar separada de New Peopple por quase 500 km já é uma grande vantagem.

Ocorre, que eu não sou o tipo de pessoa que rejeita sua origem e vive buscando ser diferente, apenas por odiar tudo que é seu. Tenho meus motivos, e já fui julgada de forma errada várias vezes.

Sempre fui uma criança estranha. Meus pais me consideravam chata mesmo. Olhava para as pessoas e chorava, dez segundos depois, me sacudia e sorria.

Na escola, não tinha uma briga em que eu não estivesse envolvida. Com um ano, a psicóloga me descreveu como "inquieta". Minha capacidade de socializar era praticamente nula. Eu tentava, e nunca conseguia ir muito longe.

Depois que a Bianca nasceu, meus pais passaram a me enxergar como a criança mais ciumenta do universo. Isso porque, tudo que a Bia queria, eu queria desesperadamente também.

Recentemente, minha mãe me confessou que tinham um pouco de medo de mim. A forma como eu encarava minha irmã recém-nascida por horas, e queria tudo o que ela queria, porém, meu tio sempre a acalmava.

Eu acredito que as relações entre as pessoas sempre se dão por motivos previamente definidos. Mais do que destino, nosso espírito se encontra em outros. Na minha visão, em minha essência, sou um espírito que sempre existiu e sempre vai existir, independente do entendimento religioso se quando eu morrer voltarei à Terra em outro corpo, ou viverei em um paraíso eternamente.

Em uma época, antes de habitar o corpo da Nina, eu aprendia sobre as coisas no mundo formado de pura perfeição, onde escolhi minhas habilidades, desejei e planejei realizações e encontrei espíritos que complementavam o meu.

Meu espírito sempre se encontrou no do tio Eduardo. Como não canso de dizer, nosso amor sem explicação em vida, permaneceu sem explicação com a morte, talvez, porque seja essa a verdade que todo mundo procura: não há explicação, simplesmente, nos encontramos.

Subterfúgio: não há tempo para pensarOnde histórias criam vida. Descubra agora