CAPÍTULO 1 - TODA HISTÓRIA É FEITA DE APENAS UM COMEÇO?

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QUANDO ENTRO NO APARTAMENTO, que fica localizado na primeira rua paralela ao Aterro do Flamengo, percebo a diferença entre a pessoa que foi correndo até o aeroporto e a que voltou valorizando cada detalhe da paisagem. Eu sou as duas.

Especificamente, eu sou a Nina Rossi, típico nome italiano, em uma família tipicamente desligada de suas raízes (exceto quando se trata dos nomes). Tenho vinte e quatro anos, sou a filha mais velha de um professor de história e de uma dentista.

Fisicamente, é fácil me descrever: tenho aproximadamente um metro e cinquenta e oito de altura e peso quarenta e nove ou cinquenta quilos. É frequente me confundir com uma adolescente de quinze anos. Meus olhos são de um castanho bem claro, que contrasta de forma berrante com o meu cabelo muito preto, liso e longo, que normalmente está todo preso ou no meu rosto. Sem meio termo.

Cresci sendo a bonitinha da turma, não da forma que isso poderia ser bom, e sim, como aquela que é metida demais para muitas amizades, quando na verdade, as amizades que eram invasivas demais para a vida que eu fui fadada a ter.

Meu pais, Vicenzo e Victória Rossi, são pessoas comuns, que através de uma dessas coisas estranhas do destino, geraram duas pessoas muito incomuns: Eu e minha irmã menor, Bianca.

Moramos quase toda nossa vida em uma cidade chamada New Peopple, que tem uma população extremamente pequena e desagradável. Gosto logo de ressaltar a incompetência de quem registrou esse nome. A grafia incorreta da palavra "People", fez com que a cidade fosse conhecida como "Nova Gente", já que esse era o objetivo do termo em inglês. Aliás, sempre me pergunto quem escolheu isso. Com certeza foi ensinado na escola, no entanto, eu não aprendi.

Em números, são aproximadamente cinco mil pessoas detestáveis que moram e arrastam suas vidas nessa cidade que carrega esse nome ridículo e errado.

Sendo muito exata, New Peopple compõe a região de Leni, local fixado ao norte do Estado do Rio de Janeiro, que comporta nove microcidades, totalizando entre todas elas, menos de trinta mil habitantes.

Com esses dados, é possível imaginar o tipo de vida que eu levei. Em síntese, desde que nasci, até o momento em que eu parti, moramos em um bairro agradável chamado Glota. Vivemos uma vida sem luxo, porém, confortável. Não viajamos para o exterior, não temos carros importados e não usamos roupas de marcas.

Entretanto, vamos até a praia às vezes, ou viajamos para as cachoeiras. Temos um carro que nos leva onde precisamos ir, e as roupas, bom, a gente se vira com o que tem, e usamos a criatividade.

Eu e minha irmã nos formamos em faculdades particulares e moramos sozinhas desde que eu ingressei no segundo ano do ensino médio até o ano em que minha irmã completou a graduação, na cidade do Rio de Janeiro, pertencente ao Estado de mesmo nome.

Meu pai e minha mãe também nem sempre moraram em New Peopple, já que lá, não tem faculdade, e na época dos meus pais, nem mesmo existia alguma em toda Leni. Temos apenas duas escolas com ensino médio, sendo uma delas particular. Então, apesar de terem tido o enorme prazer de nascer por lá, viveram algum tempo no Rio de Janeiro para a graduação.

Não me interesso muito pelo assunto, sei que não se conheciam muito bem antes de retornarem para suas respectivas casas em New Peopple. Meu pai é sete anos mais velho que a minha mãe, e isso fez com que não fossem da mesma "galera". Sei que depois de concluírem seus cursos, retornando para a nossa cidade natal, se reencontraram e aí sim se aproximaram.

Meu pai conta que gostaria de ter ficado no Rio de Janeiro, no entanto, a vida o levou de volta à New Peopple, quando os pais dele ficaram doentes, e ele acabou se aproximando da minha mãe.

Ela, por sua vez, sempre planejou voltar. Começou a trabalhar logo para meu tio-avô Eduardo, que, com a morte dos meus avós maternos, quando minha mãe era apenas uma menina de dois anos, foi quem a criou. Ele era dentista e estava se aposentando na época, enquanto meu pai começou a lecionar na "Fundação de Ensino Novista", colégio que eu estudei a maior parte da minha vida, e que, fica ao lado do consultório que hoje é só da minha mãe.

Ou seja, uma família normal, vivendo uma vida aparentemente normal, em uma cidade pouco interessante, irritante, mas, em alguns casos, intrigante. Acho que essa última parte pode descrever bem. Apesar de todas as aparências normais, somos intrigantes como New Peopple.

Eu e Bianca temos exatamente um ano de diferença de idade. Minha mãe engravidou quando eu completava meus três meses. Não por acaso, nós duas fazemos aniversário no mesmo dia: dezoito de março.

Essa pouca diferença de idade foi um dos fatores que fez com que eu e Bianca nos tornássemos mais do que irmãs, também, boas amigas. Seguimos os estudos quase na mesma época, e nos mudamos de New Peopple para o Rio de Janeiro juntas, eu com quinze anos, e ela com quatorze. Continuamos por lá, quando eu quis ser advogada e Bianca quis ser o que sempre quis ser: médica.

Graças a sua inteligência elevada, ela foi aprovada no vestibular da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro ainda no segundo ano do ensino médio. Por isso, começamos o terceiro grau juntas.

Depois de oito anos, chegou a hora de voltar para "casa". No ritmo de despedida, dentro do nosso velho apartamento, estamos guardando as últimas coisas. Quer dizer, Bianca está, enquanto eu digito o que ela pensa ser uma petição, quando na verdade estou apenas jogando RPG online.

Esperamos meu pai chegar para ver alguns assuntos sobre o aluguel do apartamento, que foi minha casa e de Bia por todos aqueles anos, e também, para pegar o restante das coisas, que não foram no caminhão.

Penso que em algumas longas horas estaremos retornando para New Peopple, e como uma "nova gente" que eu me considero, após a faculdade e o ano incrível em que advoguei na parte previdenciária de um escritório, tudo parece horripilante.

Abril está insuportavelmente quente. Bianca grita comigo por não ter feito a tal "petição" antes. Depois de tantas emoções em um só dia – as que originei e as que eu furtei -, o jogo funciona como um calmante natural. No entanto, com sua insistência, eu olho para ela e a sua irritação começa a me consumir.

Me inclino na cadeira para alcançar a minha bolsa e procuro desesperadamente pela medicação para o Distúrbio de Déficit de Atenção, a única coisa que me permite viver meus próprios sentimentos quando deixo o descontrole ser o ator principal da minha história.

Porém, minha irmã percebe. Ela se adianta, me entrega um copo do meu refrigerante preferido, respira fundo e sai do quarto, sem antes gritar para mim: "Mantenha os olhos no computador! Estamos começando outra vez e vai ser bom! Pelo menos, melhor do que correr como uma louca pelo Aterro ou ficar fingindo ser um bandido nesse jogo estúpido".

Que droga! Não deveria ter deixado ela tocar em mim quando foi entregar o refrigerante. São vinte e três anos cometendo esse erro. Que fique bem claro, e desde já registrado: Bianca nem sempre tem autorização para tocar em mim, eu prefiro falar sobre as coisas antes!

Subterfúgio: não há tempo para pensarOnde histórias criam vida. Descubra agora