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28 de Dezembro de 2010

19:02 PM

Com minha pulsação acelerada e um bigode de suor formado apesar do clima extremamente frio do lado de fora, consigo chegar a tempo para o jantar.

Entro de ponta de pé pela porta da cozinha confiando-me de que ninguém me veja, entretanto, assim que coloco os pés em direção a porta de saída da cozinha e entrada da sala, esbarro em uma mulher loira, um pouco acima do peso e extremamente sorridente.

Murmuro um rápido "Me desculpe" e antes dela me responder "Tudo bem" estou saindo de fininho do cômodo lotado de taças de vinho sujas.

Passo pela sala abarrotada de senhores e senhoras da classe alta e corro subindo os degraus da escada. O jantar realmente parece estar indo bem, as pessoas ao menos estão se divertindo. Quando eu era pequeno e aconteciam as noites de bingo em minha casa, minha mãe costumava dizer "Aquele que sabe dominar os convidados num jantar em casa, pode dominar o mundo".

Entro em meu quarto, fecho a porta e respiro aliviado por meus pais não terem me visto chegando atrasado.

Não tenho muito tempo para repensar qual dos meus poucos ternos devo vestir. Visto o primeiro que vejo, passo a mão no meu cabelo azul desbotado e aplico um perfume com cheiro forte de masculinidade que ganhei assim que completei 17 anos.

Quando, novamente volto para a sala principal, dou de cara com minha mãe que se desfaz do seu sorriso falso.

- Onde você esteve o dia todo, Michael?

- Estive fazendo um trabalho com Calum e Ashton. - Digo.

- Não minta para mim. Eu liguei para eles, você nem mesmo foi para a escola.

- Malditos fuxiqueiros.

- Onde você estava? - Ela repete, dessa vez de forma ríspida.

- Na praia. - respondo, contemplando o chão.

- Com quem?

- Ninguém.

- Michael... Com quem?

- Com Luke, mãe! - Grito.

A mesma mulher loira com quem antes eu havia trombado na cozinha, para entre mim e minha mãe e pergunta:

- Você disse Luke?

- Sim, eu disse. - respondo.

- Não, ele não disse. - Fala minha mãe.

- Sim, eu disse. - repito, desconfiado.

- Você pode me dizer como ele é? A sua aparência? - A mulher loira me pede.

Antes que eu possa responder, outra vez minha mãe tenta cortar nosso diálogo;

- Michael, eu preciso que você olhe uma coisa pra mim na cozinha.

- Qual a sua? - Articulo para minha mãe. - Bem... Luke é alto, tem olhos azuis e cabelo loiro meio para o lado. Ah, ele na verdade é bem bonito.

Por alguma razão bizarra, a mulher loira começa a chorar, olho para minha mãe que apenas desvia o olhar.

- Você não se lembra? - A loira pergunta.

- Do que? - questiono.

Sem me responder, ela pergunta, ainda chorando;

- Qual o sobrenome dele?

- Eu não sei, ele também não sabe.

- Luke Hemmings. - Ela sussurra.

- Você o conhece?

Ela vai até minha mãe, cochicham algo e alguns segundos depois a loira me chama para a varanda, onde o barulho não é tão alto.

Nós nos sentamos em um banco com espaço para mais duas pessoas alem de nós, ela se enrola em sua manta e respira fundo como se fosse me revelar o último capítulo de uma novela importante, então conta:

- Eu morava naquela casa. - Aponta para a penúltima casa da rua, do lado oposto a minha.

- Eu não me lembro de você.

- Eu tinha um filho, chamado Luke Hemmings.

- Tinha?

Ela afirma com a cabeça e continua:

- Ele costumava ficar brincando na rua... Se dependesse dele, ele só ia para a casa pra comer. - Ela sorri enquanto fala. - O seu lugar favorito era o lago da rua de trás. Luke passava o dia inteiro lá se pendurando nas árvores, brincando na terra, ou simplesmente lendo As Aventuras de Sherlock Holmes.

- Eu adoro As Aventuras de Sherlock Holmes!

- Mas, certo dia, Luke resolveu se banhar no lago, e, meu Deus, eu disse tantas vezes para ele não entrar naquela água, ele só tinha onze anos! - Agora, ela começa a chorar descontroladamente.

- Ele se afogou? - pergunto. Ela confirma com a cabeça. - E você acredita que o seu Luke é o meu Luke? - De novo, sua cabeça mexe. - Impossível! Meu Luke não tem apenas onze anos e ele está vivo! Mesmo que as outras pessoas não o vejam, ele está! E, mesmo se isso fosse verdade, o que eu teria haver com o seu filho se eu nem ao menos o conhecia?

- Vocês eram melhores amigos, Michael.

- QUE?! - berro, me levantando. Começo a lacrimejar. - Meu melhor amigo é o meu Luke, nada de Hemmings, apenas meu Luke.

Uma parte de mim quer acreditar em toda essa historia, outra parte quer apenas terminar toda essa conversa e a confusão que acontece dentro da minha mente. Ainda, há uma terceira parte que se sente culpada por ter gritado com a senhora. Ela está chorando, ela perdeu um filho, mas eu não o conhecia e sei disso.

Esfrego a mão pelos meus olhos, tirando as lágrimas escorridas, acalmo-me e mais uma vez me sento no banco.

- Qual o seu nome?

- Liz. - Ela diz. - Liz Hemmings.

29 de Dezembro de 2010

1:49 AM

Para alguns é fácil ter um sonho ruim e depois facilmente acordar, já para mim, eu acordo de um pesadelo e permaneço nele.

Estava quase dormindo e a medida que meus olhos se fecharam, apareci no meio de um grupo de pessoas vestidas de preto. Os rostos embaçados e alguém morto. Podia ouvir um ou outro pássaro e um choro de criança. Como o choro era horrível, preferi me concentrar nos pássaros.

Acho que era de manhã, mas o céu estava nublado, então não tinha certeza. O choro soluçado estava me inquietando e eu fui atrás de onde ele vinha. Por trás de uma estátua assustadora de uma mulher com asas (talvez um anjo?) encontrei um garoto com a cabeça enterrada nos seus joelhos a qual ele abraçava. E ao levantar o olhar, o mais apavorante aconteceu; o garoto era eu.

IMAGINARY [muke]Onde histórias criam vida. Descubra agora