Por que você volto ontem? !

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Capítulo 07


Cinco e quarenta e dois. Esse era o horário que meu celular marcava quando pisei no Starbucks, já de volta a Londres. Geralmente após as excursões, a turma era levada até lá pra tomar um lanche e relaxar um pouco após um dia de aprendizado fora da escola. Meu momento de relaxar baseou-se em ficar sentada numa das mesas mais isoladas de todos, com um frapuccino que minha garganta não queria engolir entre meus dedos gelados e a cabeça pesada. Meu dia tinha sido um lixo, um dos piores da minha vida, sem dúvida.
Encarando a paisagem cinza e chuvosa que havia do lado de fora pela janela de vidro ao meu lado, eu brincava com o canudo do milkshake praticamente intocado, sentindo um mau humor gigante urrando dentro de mim. Meu estômago demonstrava fome, mas eu não tinha vontade nem capacidade de comer ou beber alguma coisa. Com um cotovelo apoiado na mesa e a cabeça apoiada na mão, enquanto a outra se distraía com o copo, eu mantinha meu maxilar tenso, sem nem notar o ser que se aproximava devagar.
Vi alguém se sentar na cadeira à minha frente, e sem nem precisar mover meus globos oculares, reconheci o indivíduo como sendo Rafael Vitti. Falta de sexo dava em perseguição desesperada, só podia ser. Sem dizer nada, ele ficou me encarando, com as mãos no colo e um sorrisinho insuportável. Incomodada com a presença dele, desviei meu olhar dos pingos de chuva que escorriam pelo vidro da janela até encontrar o dele.
- Perdeu alguma coisa? - resmunguei, sem mexer mais nada além dos meus músculos faciais. Rafael continuou com seu sorrisinho divertido antes de erguer uma de suas mãos sobre a mesa, fechada num punho, e responder:
- Eu não, mas eu acho que você sim.
Franzi a testa, sem nem tentar entender, e ele abriu a mão, deixando uma coisa rosa clara pender de uma pequena corrente prateada entre seus dedos polegar e indicador unidos. O meu chaveiro.
Senti meus olhos se arregalarem e meu queixo cair na hora em que vi a bailarina balançando de leve bem na minha frente. Imediatamente, arranquei-a da mão dele, segurando-a com firmeza enquanto a observava por alguns segundos, e logo depois a coloquei dentro da bolsa.
- Quer dizer que ela estava com você desde o começo - murmurei, morrendo de raiva, quando voltei a encará-lo - Por que você não me devolveu assim que soube de quem era?
- Sua criatividade me comove, Santoni - ele disse, rindo da minha cara - Pra que eu ia querer ficar com o seu chaveiro? Foi o Hammings que o encontrou e só me deu agora, por isso eu vim devolver.
Continuei encarando-o, sem saber se acreditava ou não. Preferi não ocupar minha mente com aquele assunto, já estava tudo resolvido, meu chaveiro estava comigo de novo e eu pouco me importava se ele estava dizendo a verdade ou não. Ele era um imbecil de marca maior e estar sendo sincero não o faria menos desprezível.
- Obrigada, se era isso que você queria - resmunguei, grossa, voltando a encarar a paisagem lá fora. Que estado calamitoso eu havia atingido, era capaz até de agradecê-lo pra vê-lo longe de mim.
- Eu quero bem mais de você - ouvi o professor Vitti murmurar, com os olhos cravados em mim - Sei que minha vez vai chegar, e tenho paciência pra esperar.
Sem dizer mais nada, ele se levantou e voltou a se sentar em sua mesa junto com o professor Hammings, finalmente me deixando sozinha com meus pensamentos, e com um ódio cada vez maior dele. Se antes daquela excursão eu já estava decidida a contar tudo sobre o Vitti pra Fe, agora eu não perderia a chance de fazê-lo o mais breve possível.

- Mãe, cadê você?
Seis horas e cinqüenta e três minutos. Eu estava parada na porta da escola, quase congelando de frio, falando com minha querida e pontual mãe ao celular. Por que raios ela não estava parada na frente do colégio pra me levar pra casa se a porcaria da excursão estava prevista pra acabar às seis e meia? Quase meia hora de atraso, bem típico de mamãe mesmo.
- Desculpe o atraso, filha, acabei cochilando e perdi a hora - ela respondeu, parecendo um tanto afobada do outro lado da linha - Já estou indo te buscar, querida, não demoro.
- Não demore mesmo, por favor - murmurei, ao ver que não havia mais sombra de nenhum aluno na porta da escola. Fechei o slide do celular lentamente, com frio demais pra me mover mais rápido que aquilo. Depois de toda aquela chuvinha fraca irritante e incessante, veio um frio que ninguém estava esperando, acompanhado de uma escuridão precoce que dava a impressão de que já eram nove da noite. Todos deixaram o ônibus encolhidos e buscando o ambiente agradável de dentro dos carros dos pais. Só eu tinha que me conformar com mais alguns minutos de espera, sentindo a ponta de meus dedos dos pés e das mãos perderem a sensibilidade, meu nariz ficar gelado e ver minha respiração virar fumaça assim que entrava em contato com o ambiente. Legal, mãe, obrigada por se lembrar de mim.
Distraída com os poucos carros que passavam pela rua, nem percebi quando uma pessoa se aproximou de mim, e assim que notei sua presença, ergui meu olhar até o dela.
- Oi, gatinha - um garoto que eu não fazia a idéia de quem era disse, com um sorriso nada agradável no rosto e me olhando de cima a baixo. Ele devia ter uns 19 anos, alto, magro e com dentes muito amarelos. Usava um conjunto de moletom azul marinho que parecia ser três vezes maior que ele, tênis de basquete e uma touca cinza que fazia sua cabeça parecer deformada, junto com uma barba por fazer que só aumentava a impressão de sujo que o bafo de cerveja já o dava.
Engoli em seco novamente, sentindo meu coração acelerar e a boca secar. Droga, ele ia me roubar. Olhei em volta, e tudo que vi foi o sr. Hammings arrancando com seu carro sem nem notar minha existência. Busquei desesperadamente algum sinal de vida naquela rua fora nós dois, mas não encontrei. Legal, eu estava definitivamente sozinha com aquele cara estranho enquanto minha mãe não chegasse. Fechei minha mão discretamente, tentando esconder meu celular, o que foi em vão, já que ele logo olhou naquela direção e aumentou seu sorriso pervertido.
- Que foi, tá com medo, gata? - ele riu, voltando a me encarar com a voz arrastada de quem tinha tomado um belo porre - Fica com medinho não, o papai aqui não vai te fazer mal.
Dei um passo pra trás na direção da porta da escola, tentando não demonstrar meu medo, mas o garoto me acompanhou, dando um passo na minha direção ao mesmo tempo. Que merda, eu não queria ser assaltada, muito menos estuprada, hipótese que me amedrontava mais que qualquer coisa só pelo simples fato de pensar nela.
- Eu não te conheço - falei, com a voz trêmula de medo - Vai embora, por favor.
- Não me conhece, mas pode conhecer - ele sorriu, dando mais um passo na minha direção e ficando a uma distância muito desconfortável - Não vou deixar uma gata dessas sozinha aqui a essa hora.
- Pode ficar tranqüilo, ela não tá sozinha - ouvi uma voz firme atrás de mim, e logo depois um braço envolveu meus ombros com a mesma firmeza - Eu tô com ela, não precisa se preocupar.
Acho que nunca me senti tão bem por ter Rafael Vitti por perto. O cara estranho arregalou levemente os olhos ao vê-lo sair do colégio e se aproximar de mim, e seu sorrisinho simplesmente desapareceu de seu rosto, dando lugar a um certo pânico.
- Ah... Não sabia que a moça tava acompanhada - ele balbuciou, dando discretos passos pra trás.
- Pois é, mas agora sabe - o sr. Vitti disse, sem perder a firmeza na voz - Pode ir tomando seu rumo.
Sem dizer mais nada, o garoto assentiu depressa, um pouco assustado pela atitude intimidante do sr. Vitti, e saiu andando sem nem olhar pra trás. Continuei paralisada onde estava, seguindo-o com o olhar até perdê-lo de vista, e só então consegui respirar novamente.
- Você conhece esse rapaz? - Rafael perguntou, ainda me abraçando firmemente. Ergui meu olhar até ele, que estava com a expressão fechada e os olhos fixos na direção que o rapaz tomou, e respondi, inalando sem querer o perfume que eu tentei evitar o dia inteiro:
- Nunca o vi na vida.
Ele assentiu devagar e me olhou, sem mudar de expressão. Meu cérebro entrou em conflito com meu coração assim que os traços do professor Vitti, mal iluminados pela luz fraca da rua, entraram no meu campo de visão, devido aos meus batimentos cardíacos subitamente acelerados. Eu já sabia que ele era bonito, mas talvez a gratidão por ele ter aparecido e afastado aquele cara o estavam tornando ainda mais lindo naquele momento.
- Aqui é muito perigoso quando escurece - ele falou, com a voz de um pai super protetor dando sermão na filha - Cadê a sua mãe?
- J-já tá vindo - gaguejei, meio distraída com o rosto dele (me deixa, ele nunca tinha feito aquela cara de preocupado pra mim antes, dá uma trégua) - O que o senhor ainda tava fazendo aqui?
- Fui até o meu armário buscar uns relatórios que tenho que corrigir pra amanhã - ele respondeu, voltando a olhar pra rua com certa impaciência - Sabe se sua mãe vai demorar?
- Ela já está no caminho, logo chega - eu disse, desviando meu olhar dele pra ponta de meus tênis levemente sujos de terra.
- É melhor ela não demorar mesmo, tô morrendo de frio aqui - o sr. Vitti comentou, com as sobrancelhas erguidas num tom autoritário. Ergui meu olhar pra ele novamente após alguns segundos de silêncio, inconformada com a capacidade que ele tinha de ser desagradável em todos os momentos.
- Não pedi pra você ficar - falei, mesmo sabendo que era realmente perigoso ficar sozinha ali àquela hora - Pode ir embora se quiser.
Rafael soltou um risinho debochado e me olhou, parecendo indignado com a minha resposta atravessada.
- Não sei por que eu ainda perco meu tempo com você, Santoni - ele riu, sem humor algum, e tirou seu braço dos meus ombros com certa violência. Me encolhi um pouco, sentindo o vento frio voltar a soprar na região onde antes o casaco quentinho dele cobria, e o observei se afastar, indo em direção à sua moto, estacionada perto de uma árvore que só deixava seu pneu dianteiro visível de onde eu estava. Não acredito que ele estava mesmo indo embora. Cagão.
Ele colocou o capacete pelo caminho e não demorou a arrancar com a moto, realmente me deixando sozinha naquela rua mal iluminada e fria. A simples hipótese de agradecê-lo por ter afastado aquele marginal, que tinha crescido um pouco, tornou-se totalmente inaceitável de novo. Idiota, bunda mole, grosso, sem educação. Fe jamais me deixaria sozinha naquele lugar, tenho certeza.
Só de pensar em Fe, soltei um suspiro chateado, fazendo uma grande quantidade de fumaça sair de minha boca. Abracei meu próprio corpo, tentando inutilmente fazer aquele frio passar, mas isso seria impossível com apenas uma blusinha fina de malha. Encarei a rua, desesperada para encontrar minha mãe, e assim fiquei por alguns minutos, até ver os faróis do Land Rover dela surgirem em meio à quase escuridão. Suspirei novamente, aliviada, e assim que me aproximei da rua, vi um farol se acender bem ao meu lado, atrás daquela mesma árvore onde antes estava a moto do sr. Vitti. Olhei naquela direção, parando de andar ao reconhecer a mesma moto que estava estacionada ali há minutos atrás, e vi um homem de capacete olhando pra mim, com seus olhos Castanhos refletindo intensamente a luminosidade do farol. Franzi a testa, sem entender por que ele tinha voltado, e cerrei meus olhos, reprimindo com todas as minhas forças os batimentos novamente acelerados de meu coração e continuando o caminho até o carro de mamãe.
- Desculpe a demora de novo - ouvi minha mãe dizer, enquanto eu entrava no veículo e sentia o alívio da temperatura agradável do seu interior - Quem era aquele na moto, querida?
Olhei na direção da moto do sr. Vitti, que arrancava novamente à nossa frente e se afastava depressa, e abaixei meu olhar pra colocar o cinto de segurança, respondendo sua pergunta num murmúrio seco:
- Ninguém, mãe.

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