Eu fiz isso!

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Capítulo 13

Cheguei em casa com a mesma expressão lívida com a qual deixei o laboratório. Podia sentir o suor frio em minha testa, podia sentir a palidez do meu rosto, a instabilidade de minhas pernas e mãos, o puro pânico estampado em meus olhos ainda arregalados.
- Tá tudo bem mesmo com você, filha? - ouvi minha mãe dizer assim que entramos em casa, e por mais que ela estivesse bem ao meu lado, sua voz estava distante, como se houvesse vários metros entre nós.
Assenti vagamente, assim como fiz durante todo o trajeto no carro, sem sequer tentar entender o que ela estava perguntando. Caminhei o mais rápido que pude até meu quarto, quase tropeçando nas escadas, e me tranquei com pressa. Encostei minhas costas na porta e lutei contra meus joelhos vacilantes, sem conseguir definir exatamente o que estava acontecendo dentro de mim.
Eu me sentia em transe, numa dimensão completamente distante da realidade, alheia a qualquer sentimento. Era como se eles estivessem presos numa caixa minúscula, aprisionados, me transformando numa pessoa oca. Não conseguia sentir remorso, nem dor, nem raiva, nada. Apenas o vazio. O mesmo vazio que mantinha meus olhos arregalados e fixos no abajur de minha mesa de cabeceira, sem realmente enxergar nada. Apenas via trechos dos recentes acontecimentos passando como flashes em minha mente.
Quando me dei conta do que estava fazendo, me vi em meu banheiro, tirando a roupa com agonia, como se houvessem formigas ou qualquer outra coisa indesejada nelas. Coloquei todas as peças no cesto de roupa suja de um jeito rude, na inútil ilusão de que aquilo me ajudaria em alguma coisa. Liguei o chuveiro até que um forte jato de água jorrasse dele, e entrei de cabeça debaixo daquela cachoeira gelada. Meu corpo estremeceu pelo choque térmico, mas eu me mantive imóvel, deixando a água escorrer ralo abaixo e levar consigo tudo que restava dele em mim.
Absorver o turbilhão de loucuras que tinham acontecido em tão pouco tempo parecia impossível, mas quando a compreensão finalmente começou a aparecer e eu consegui organizar meus pensamentos, as perguntas sem resposta me engoliram como uma onda gigante. Como eu deixei isso acontecer? Por que eu deixei isso acontecer? Eu amava Fe, podia sentir meu coração doer de culpa a cada batimento!
Mas ao mesmo tempo, podia sentir os leves tremores que percorriam minha espinha a cada segundo gasto pensando em Rafael; apesar de estar debaixo do chuveiro, ainda podia sentir o cheiro dele em minha pele, o cheiro do qual eu me tornei inconscientemente dependente há algum tempo. Não era certo querer um cafajeste daquele jeito, somente por pura atração física, enquanto eu tinha um príncipe encantado me dando todo o amor que eu precisava.
Com os olhos fortemente fechados, eu permaneci naquela posição por incontáveis minutos. Era extremamente doloroso, mas eu nem tentei me impedir de pensar em Fe. A imagem de seu rosto sorridente, radiante, apaixonado, logo dominou minha mente, a não ser quando os olhos Castanhos do professor Vitti teimavam em surgir, tão hipnotizantes que tirariam do chão até a pessoa mais insensível. Como eu fui um dia em relação a ele.
Me abracei, sentindo as pontas de meus dedos ficarem cada vez mais frias, e abri os olhos, já que mantê-los fechados só piorava minha situação. Focalizei o vidro molhado do box à minha frente, bem aonde havia uma pequena prateleira com meu shampoo, sabonete e condicionador. Num cantinho da prateleira, estava uma esponja praticamente intocada que mamãe havia me dado há algum tempo atrás, esperando até seu próximo e raro uso. Não precisei pensar duas vezes.
Peguei a esponja, encharcando-a e esfregando meu sabonete nela até me certificar de que a espuma era suficiente. Com o lado áspero, eu comecei a me esfregar por inteiro num movimento frenético e masoquista, começando pelos braços e seguindo pelo resto do corpo. Os vergões avermelhados que a esponja deixava em minha pele mal apareciam, escondidos sob a grossa camada de espuma que os cobriam, mas eu podia senti-los ardendo insistentemente. Desesperada, eu passei a esfregar com ainda mais força, e cada lugar que a esponja percorria me trazia uma lembrança de tudo que eu e Rafael tínhamos feito. Um nó enorme e doloroso se formou em minha garganta, mas prometi pra mim mesma que não derramaria uma lágrima. Não por ele. Não por Rafael.
Aquilo tinha sido só um momento de insanidade, nada mais. Nunca aconteceria de novo, isso era certeza. Fe não precisaria saber, não houve sentimento nenhum, nunca existiu e nunca vai existir. Eu odiava Rafael, e não sabia como viveria sem Fe. E por todos os aspectos que os tornavam duas pessoas completamente diferentes, eu guardei aquele erro dentro de mim, num canto deserto de minha memória, de onde ninguém o tiraria. Era isso... Estava acabado.
Me deixei cair no chão do box, cansada e arfante pelo esforço com a esponja. Encostei minha cabeça na parede atrás de mim, sentindo minha pele arder ainda mais quando os respingos de água gelada me atingiam, e encarei o vazio por um tempo. Totalmente entorpecida. Eu tinha tomado minha decisão. Eu sabia que não seria capaz de encarar Fe novamente sem me lembrar de minha mentira, mas o simples pensamento de contar a ele e ver a repulsa em seu olhar fazia meu corpo se encolher involuntariamente. Fe não merecia ser enganado, e eu sabia que não o merecia, mas eu era egoísta demais pra dizer a verdade e vê-lo me abandonar.
Após um longo tempo que não consegui calcular, ouvi batidas na porta de meu quarto. Ignorei-as totalmente, sem condições de falar com ninguém. Eu me sentia um pouco mais calma, mas ainda não totalmente de volta à realidade.
Foi quando eu ouvi uma voz inesperada do outro lado da porta.
- Bella?
Olhei na direção da voz, como se fazendo isso pudesse ver se ela realmente pertencia a quem eu estava pensando. Com cuidado pra não escorregar, me levantei do chão, me enxagüei rapidamente pra tirar o resto de espuma e saí do banheiro, com uma toalha enrolada no corpo e a outra no cabelo.
Caminhei até a porta, e a voz novamente falou, como se fosse para confirmar minhas dúvidas:
- Bella? Tá tudo bem com você?
Engoli em seco, me perguntando se ela notaria meu jeito estranho e se alguma desculpa idiota a convenceria, do jeito que ela me conhecia bem. Ignorei minhas perguntas e destranquei a porta, abrindo-a e dando de cara com Bruna.
- O que você tá fazendo aqui? - murmurei, mas minha voz saiu falha e rouca, destoando totalmente da minha tentativa de um sorriso casual.
- Sua mãe ligou lá pra casa, disse que você tava estranha, e eu resolvi vir pra investigar - ela respondeu, com a testa levemente franzida de preocupação.
- Que besteira, não tem nada de errado comigo - menti, sentindo meus joelhos vacilarem novamente, mas me mantive firme. Bruna entrou no quarto, e quando fiz menção de fechar a porta atrás de nós, ela segurou meu pulso com uma expressão intrigada.
- O que exatamente é isso? - ela perguntou, de um jeito que beirava o horror, e eu olhei na direção que ela encarava. Vergões avermelhados e irregulares coloriam meus braços, desde os ombros até os pulsos. E nem assim eu estava conseguindo me sentir limpa.
- Eu... Eu não sei - gaguejei, me desvencilhando educadamente dela e fechando a porta - Acho que é... Alergia de alguma coisa.
- Quando você vai se dar conta de que suas mentiras não me convencem? - Bruna disse, com a voz grave, transbordando seriedade através de seus olhos - Não está tudo bem com você, claro que não. O que aconteceu?
- Não aconteceu nada! - exclamei, um pouco mais alto do que pretendia, porque minha voz saiu esganiçada e trêmula. Esconder alguma coisa dela não era nada fácil, muito menos uma coisa como aquela, que nem eu sabia como esconder de mim mesma, apesar de tentar com todas as minhas forças.
- Bella, pelo amor de Deus - ela chamou, levemente em choque pela minha reação, quando eu caminhei energicamente na direção de meu armário - Você sabe que pode confiar em mim, não precisa mentir!
Me escondi o máximo que pude atrás das portas de meu guarda-roupa, sem deixá-la ver meu rosto, e suspirei, irritada. Ela não devia estar ali, eu precisava de um tempo sozinha pra pensar antes de falar com alguém. Mas agora que ela já estava, não conseguiria expulsá-la sem criar suspeitas. Ela me seguiu, e sentou-se na cama atrás de mim, enquanto eu juntava forças para falar.
- Já disse, eu estou bem, isso deve ser alguma alergia - murmurei, sem coragem de olhá-la. Nem de continuar a falar. O que mais eu poderia dizer?
Ouvi Bruna bufar atrás de mim enquanto eu pegava algumas roupas, e já estava começando a ficar realmente pressionada, quando ela piorou minha situação:
- Não adianta continuar mentindo, eu só vou sair daqui quando você me contar como esses arranhões foram parar aí.
Engoli em seco, sabendo que ela estava falando muito sério por causa de seu tom de voz. Fechei meu armário, com roupas íntimas, uma blusinha e um shorts na mão, e me virei pra ela, derrotada. Como eu sabia que aconteceria, a preocupação em seu olhar fez uma onda de insegurança percorrer minha espinha, e antes que eu pudesse deter as palavras, elas já haviam sido ditas.
- Eu fiz isso.
- Você? Mas por quê? - ela murmurou, com um tom ainda mais horrorizado, e eu senti minha garganta fechar por completo. Agora que eu a encarava, dizer o que tinha acontecido parecia impossível, mas ao mesmo tempo, mentir estava fora de cogitação. Ela saberia ler através de minha expressão, sentir o nervosismo em minha voz, não importava o quão convincente minha mentira fosse.
Eu não disse nada por alguns segundos, e a firmeza de meu olhar no dela não durou muito. Precisando de um álibi para não encará-la, fingi estar concentrada em me vestir, quase caindo de nervoso ao passar minhas pernas pelos buracos do shorts.
- Se você não quer me contar, tudo bem - ela suspirou quando eu terminava de vestir a blusa, e mesmo sem olhá-la, pude sentir seus olhos fixos nos vergões agora rosados de minhas pernas - Mas pelo menos me diga como eu posso te ajudar. Qualquer coisa.
- Ninguém pode me ajudar - suspirei, andando até o banheiro para pentear o cabelo, e ela me seguiu, me observando desviar meu olhar do dela pelo reflexo do espelho.
Ficamos novamente num silêncio tenso, até que minhas ocupações acabaram e eu me virei pra ela, cruzando os braços firmemente na altura do peito. Bruna me encarava com súplica no olhar, e eu percebi que não adiantaria continuar enrolando. Não havia como fugir de sua própria consciência, que no meu caso, atendia pelo nome de Bruna Hamu. Respirei fundo antes de fazer o que teria de fazer uma hora ou outra, e minha voz escapou por entre meus lábios como um sussurro quase inaudível.
- Eu... Traí o Fe.
Bruna arregalou os olhos, totalmente pega de surpresa, e esperei até que o choque de minha revelação passasse e ela fosse capaz de falar. Encarei firmemente o chão, tentando em vão parar de tremer.
- C-com quem? - ela gaguejou, alguns segundos depois, e pude sentir uma pontada de suspeita em seu jeito de perguntar.
Fechei os olhos com força, ordenando que meu corpo não se arrepiasse só de pensar nele, mas foi em vão. Quando as palavras saíram de minha boca, ainda mais baixas que da outra vez, pude sentir meus cabelos da nuca se eriçarem de imediato.
- Com o professor Vitti.
Bruna não se mexeu. Não consegui devolver seu olhar, e por algum tempo ficamos imóveis e caladas, cada uma ocupada demais com seus próprios pensamentos.
- Eu... Eu não sei o que dizer - ela sussurrou, parecendo finalmente vencer sua luta com as palavras, e apesar de não vê-la, percebi que ela soltou um risinho surpreso - Talvez eu devesse começar com um "Eu sabia".
Franzi minha testa e ergui o rosto pra olhá-la, sem entender. Ela me encarou de volta, com os olhos admirados, e sorrindo de um jeito deslumbrado. Arregalei meus olhos pra ela, totalmente confusa, e nem precisei dizer nada pra que ela continuasse:
- Desde o começo, desde que você e o professor Simas começaram essa história toda, e que o Vitti resolveu se meter nesse rolo... Eu sempre soube que isso ia acabar acontecendo. Fala sério, Isabella, você sempre fica a fim do cara errado.
Juro que tentei abrir a boca pra falar algo, mas minha voz não saiu. Minha indignação era maior que qualquer coisa. Como assim, eu sempre ficava a fim do cara errado? Eu não estava a fim do Vitti! Aquilo foi só um deslize, um impulso indesejado!
- Mas e aí, como foi? - ela sorriu, de repente adotando uma expressão curiosa - Não precisa entrar em detalhes, dizer se foi bom ou não já é o suficiente.
- Bruna! - exclamei, finalmente recuperando minha voz, e fazendo-a pular de susto com uma expressão retraída - Eu te digo que traí o Fe e tudo que você faz é me perguntar se foi bom?
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, assustada, até que voltou a falar, timidamente e num tom baixo:
- Não foi exatamente isso que eu perguntei, mas dá na mesma.
- Bruna! - falei de novo, passando por ela e caminhando de volta para o quarto, embrenhando meus dedos desesperadamente em meus cabelos - Você entendeu o que eu disse ou vou ter que repetir outra vez? Eu traí o Fe com o Vitti!
- Tá, e daí? - ela retrucou, parecendo meio impaciente e sentando-se pesadamente em minha cama - Eu já entendi isso, você é que não pareceu entender minha pergunta! Me diz, o que eu posso fazer agora que você já fez a besteira? Vai adiantar eu ficar falando mil baboseiras inúteis, chorar pelo leite derramado com você?
- Eu sei que não tem mais volta, foi um erro, mas você podia pelo menos fingir ser uma pessoa normal e me dar a maior bronca ou algo do tipo, e não me perguntar como foi! - eu disse, encarando-a energicamente.
- Achei que você já me conhecesse há tempo suficiente pra saber que eu não me surpreendo assim tão fácil - Bruna murmurou, erguendo as sobrancelhas de um jeito desafiador - Em momento nenhum eu fui ou pretendo ser falsa com você, e é isso o que eu estaria sendo agora se estivesse te dando uma bronca. Atração física acontece aos montes, Isabella, é mais normal do que se pensa. A única diferença disso pra um relacionamento normal é que ninguém costuma sair contando pra todo mundo, mantêm as coisas em segredo.
Fitei os olhos compreensivos de Bruna por alguns segundos, totalmente desarmada. Me deixei cair sentada no chão, ainda encarando-a sem entender, e ela subitamente riu de minha atitude. Por que eu tinha que ter uma amiga tão mente aberta e liberal?
- Não precisa se martirizar tanto só porque não resistiu às tentações da carne, Bella - ela sorriu, sentando-se no chão à minha frente - Se não teve sentimento, não foi exatamente uma traição... Então, pra que se preocupar?
Abaixei meu olhar pro chão, refletindo sobre o que eu já sabia, mas que ela tinha feito o favor de repetir. Tudo tinha sido tão rápido, tão inesperado, tão mecânico... Não havia um pingo de sentimento ali, era puro tesão. Meu amor por Fe continuava intocado, apesar do fato de que todas as transas com ele não equivaliam à única com Rafael no quesito físico. Mas eu não devia nem queria comparar os dois. Pra mim, só existia um homem, e ele se chamava Felipe Simas.
Suspirei, psicologicamente exausta pra continuar travando aquela luta interna, e voltei a encarar Bruna, ainda sorrindo docemente.
- Foi tudo tão... Confuso - foi tudo o que consegui sussurrar, pela primeira vez conseguindo demonstrar alguma emoção sobre o assunto, e seu sorriso se alargou. Ela dobrou as pernas contra seu tronco e abraçou os joelhos, carregando sua expressão de curiosidade novamente.
- Agora que você já está mais calminha... Pode me dizer como foi? - ela murmurou, parecendo prevenida quanto aos meus súbitos acessos de desespero, e eu não pude deixar de sorrir fraco. Um calor súbito passou por mim, e meu olhar se perdeu em meio aos meus pensamentos, que dessa vez eu simplesmente deixei fluir, tornando meu sorriso mais largo.
- Foi o melhor erro que eu já cometi.

- Tchau, meninas, boa aula!
Saí do carro de mamãe, mais trêmula que bambu em ventania, e Bruna fez o mesmo do outro lado, cumprindo a parte simpática do relacionamento com mamãe, a qual eu tinha desfalcado desde o dia anterior. Bruna tinha dormido em casa, me dando todo o apoio que eu precisava pra não sair correndo quando a manhã seguinte chegasse, mas tudo pareceu ter sido em vão quando me dei conta de que estávamos paradas em frente ao colégio. Quer dizer, eu estava, porque ela me arrastava escola adentro, como se carregasse uma estátua de mármore.
- Quer fazer o favor de entrar? - ela resmungou, me puxando pelo braço com uma careta mal educada - Lembra do que eu te falei? Você não tem motivos pra ter medo!
Nem liguei pra frase totalmente clichê e equivocada de Bruna, que parecia estar enxergando aquilo tudo como uma coisinha boba e não como mais um problema na vida cada vez mais complicada de sua melhor amiga. Respirei fundo e comecei a andar, contra meus próprios instintos, na direção do pátio da escola, rezando pra que nenhum dos dois aparecesse. Hoje eu não tinha aula com nenhum deles, então talvez pudesse fugir antes do intervalo, alegando fortes dores de cabeça. O que não seria totalmente mentira.
- Vamos subir de uma vez, eu não quero ficar aqui - sussurrei, segurando Bruna pelo braço e puxando-a na direção das escadas. Mas ela cutucou minha mão, com o olhar fixo em algum ponto à nossa frente, e meu estômago revirou quando meu olhar seguiu o dela.
- Bom dia, Hamu - ouvi a voz de Fe sorrir, alegre como sempre, e logo seus olhos Castanhos escuros brilhantes se voltaram pra mim, provocando uma fisgada em meu peito - Bom dia, flor do dia.
Tudo que fui capaz de fazer foi sorrir de leve, suando frio agarrada ao braço de Bruna. Ele retirou um bilhete do bolso, sorridente, e me entregou, dando uma piscadinha antes de se afastar novamente. Não pude deixar de acompanhá-lo com o olhar, e me arrependi amargamente disso. Assim que ele chegou à porta da sala dos professores, uma coisa vinho saiu de dentro dela, toda sorridente, e começou a caminhar na direção das escadas, após cumprimentar Fe. Apertei o braço de Bruna com mais força, mas ela não reclamou.
Rafael passou por nós, ainda mais sedutor do que nunca com sua nova e linda peça de vestuário, e me lançou um breve olhar. Por mais rápido que tenha sido, aquele olhar estava cheio de significados, dos quais eu estava plena e dolorosamente ciente. Fato: ele era meu inferno particular na Terra.
- Deixa o Vitti pra lá e abre logo esse bilhete! - Bruna sussurrou, e só então eu me lembrei do pequeno papel que Fe havia me entregado. Desdobrei-o tremulamente, e minha respiração parou quando li o que estava escrito.

Tenho uma surpresa pra você nesse fim de semana. Pode ir se preparando, vou te seqüestrar de sexta a domingo! Te amo. xx

Uma dor que eu nunca tinha sentido antes infestou cada célula do meu corpo, mas eu nem tentei fazê-la passar. Eu sabia que eu merecia aquilo. E a culpada por aquela dor não era ninguém mais do que eu. Não havia mais ninguém para culpar... Só eu.
Ergui um pouco meu rosto, sentindo minha visão embaçar, mas Bruna logo percebeu que eu estava prestes a desmoronar e começou a cochichar:
- Isabella, você prometeu pra mim que não ia fazer isso!
Eu balançava a cabeça negativamente, contendo as lágrimas com esforço. O que eu era exatamente? Um monstro? Uma destruidora de sentimentos, uma idiota completa? Eu não conseguiria fingir que estava tudo bem com Fe, nem olhá-lo nos olhos eu conseguia!
- Bruna... - eu murmurei, olhando pra ela - Eu... Ele... Não... Eu não consigo...
Ela revirou os olhos, me arrastando na direção da escadaria, com uma expressão que beirava o tédio.
- Escuta aqui - ela rosnou baixinho, me puxando pelos degraus - Você não gosta do Simas, é isso? É pelo Vitti que você tá apaixonada? É com ele que você quer ficar, é por ele que você quer foder com a sua vida?
Neguei com a cabeça, me encolhendo com desespero. Cada pergunta dela era como uma facada no peito de tão absurda.
- Então pára de ser ridícula e engole esse choro! - ela ordenou, autoritária - Se importe com quem realmente interessa, e joga o resto fora! Se as pessoas não se forçassem a esquecer certas coisas, o mundo seria cheio de gente depressiva.
Respirei fundo, conseguindo retomar meu controle emocional. Ela estava certa, já que o erro estava feito, eu só precisava esquecer aquilo e seguir em frente, me esforçando mais do que nunca pra fazer Fe feliz. Agora que a possibilidade de perdê-lo havia se tornado menos remota, valia tudo pra mantê-lo comigo.
- Obrigada - sussurrei, subindo os últimos degraus, cabisbaixa, e ela sorriu, afastando-se de mim pra entrar em sua classe enquanto eu entrava na minha. Por algum motivo, eu não consegui soltar o bilhete de Fe pelo resto das aulas, relendo-o discretamente de vez em quando ou segurando-o com toda a minha força dentro de meu punho como se aquilo valesse a minha vida. Ou pelo menos a parte feliz dela.

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