Um brinquedo?

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Capítulo 20

- Isabella?
Senti uma mão acariciar desde meu ombro até meu pulso devagar, e abri os olhos com a mesma velocidade, acostumando minhas pupilas à pouca claridade do ambiente.
- Hm? – respondi, espreguiçando-me um pouco e abrindo os olhos de vez. A pele de Rafael, que havia servido de travesseiro para mim durante as últimas horas de sono, ocupavam metade de minha visão, enquanto a outra metade era preenchida pelo interior do carro e pelos trechos do céu que os vidros me permitiam ver. Já estava começando a amanhecer.
- Acho melhor você voltar pra sua cama – a mesma voz suave e rouca voltou a falar, enquanto seu dono me fazia um leve cafuné – E eu, pra minha.
Suspirei preguiçosamente, sentindo seu perfume invadir meus pulmões, e por um segundo, o impulso de continuar ali com ele quase foi mais forte que a vontade de voltar para a cama com Fe.
- Não conseguiu mesmo dormir? – sussurrei, com a voz falha pelo sono, e ergui meu rosto para poder ver o dele. Fortes olheiras marcavam a região abaixo de seus olhos, respondendo à minha pergunta sem que ele precisasse dizer uma palavra.
- Digamos que você dormiu por nós dois – ele sorriu fraco, e eu fiz o mesmo, um pouco envergonhada.
- Desculpe – eu disse, sem jeito, e ele respondeu com um risinho.
- Se você tivesse roncado ou babado em mim, eu não desculparia – ele retrucou, com a expressão levemente autoritária, e logo depois voltou a sorrir – Mas você se comportou bem, então está tudo certo.
- Idiota – resmunguei, sorrindo junto, e um silêncio incômodo se instalou entre nós. Desviei meu olhar do dele, sem mover mais nenhum outro músculo, mas pude sentir que seus olhos se mantiveram fixos em mim. Respirei fundo, sentindo meu coração acelerar por alguma razão desconhecida, e me esgueirei para o banco do carona para vestir minha calcinha. Rafael fez o mesmo, mas só colocou a calça, mantendo-se sem camisa. Homens e sua injusta falta de necessidade de roupas.
- Bom... Vou entrar – murmurei, encarando minhas mãos inquietas, que brincavam com a barra de minha camisola. Rafael virou o rosto para me olhar, e eu resolvi fazer o mesmo, trêmula. Me afastar dele estava ficando cada vez mais difícil, mas eu não queria nem iria me dar por vencida.
- Tudo bem – ele respondeu, e aproximou seu rosto do meu, o suficiente para nossos lábios se encontrarem. Correspondi ao seu beijo calmo e inesperado, sentindo meu corpo arder para ir mais além, mas logo me afastei, ao contrário dele.
- Tchau, Rafael – falei perturbada, deixando-o no vácuo e abrindo a porta do carro, mas ele segurou meu braço.
- Espera – ele pediu, e eu soltei um suspiro contido, com o corpo tenso pelo nervosismo – Só me responda uma coisa... Quando posso te procurar de novo?
Fechei os olhos por alguns segundos, buscando forças para dar uma resposta repreensiva, mas enganar a mim mesma não era meu forte. Muito menos enganar Rafael.
- Você sabe onde me achar – foi tudo o que consegui dizer, abrindo pesarosamente meus olhos e encarando os dele, com esforço para não me perder ali.
Um sorriso discreto apareceu nos lábios dele, que desviou seus olhos dos meus por alguns segundos, como se imaginasse o momento em que me procuraria novamente, e depois voltou a me encarar, agora com um brilho que eu conhecia bem ardendo em suas íris.
- Você também – Rafael murmurou, finalmente soltando meu braço e me permitindo sair do carro. Fechei a porta da Ferrari com cuidado para não fazer muito barulho, e caminhei lentamente até a soleira da casa, toda encolhida devido ao vento levemente frio que soprava. Sem conseguir resistir, olhei na direção do carro e o observei dar ré e sumir pela rua, me causando uma estranha sensação de vazio. Suspirei pesadamente, passando as mãos pelo rosto num discreto ato de desespero, e entrei na casa, engolindo toda a noite passada e me preparando para olhar para Fe novamente.
Subi as escadas cautelosamente até chegar ao quarto, onde ele ainda dormia. Sua pele parecia estar ainda mais vermelha do que da última vez que o vi, talvez pela luminosidade ainda fraca do sol e pelo contraste ainda maior que ela causava em relação aos lençóis brancos da cama. Apesar de sua respiração estar calma, Fe mantinha a testa franzida, como se seu sono fosse leve e tenso, e batia o queixo, como se estivesse com frio. Pensei em cobri-lo, mas com certeza eu o acordaria, e a ardência de sua pele não ajudava muito a apoiar minha idéia. Mordi meu lábio inferior, morta de pena e de aflição por não poder nem tocá-lo, e o machucado causado por Rafael nesse local reagiu a essa ação com uma pontada forte e inesperada. Segurei um gemido de dor e passei a ponta da língua pelo corte, sentindo gosto de sangue. Legal, aquele não curaria tão cedo.
Fui até o banheiro da suíte para ver como estava a minha situação, e quase tive um treco. Eu estava deplorável: toda descabelada, pálida, com leves olheiras sob os olhos e com o lábio inferior um pouco inchado, bastante avermelhado na região do machucado. Balancei levemente a cabeça em sinal de negação, encarando meu próprio reflexo com uma conclusão em mente: Felipe Simas e Rafael Vitti, dois homens maravilhosamente lindos, só podiam ser loucos por gostarem de uma garota tão feia como eu. Fato.
Fiz minha higiene matinal, aproveitando a temperatura e o silêncio agradáveis para tomar um bom banho, completamente absorta em meus pensamentos. Vesti uma calcinha branca com bolinhas coloridas e uma blusa branca de Fe que chegava até a metade de minhas coxas, e suspirei profundamente antes de me virar na direção da cama, onde ele continuava imóvel e frágil. Seu rosto carregava os traços inocentes de uma criança, e apesar de ter acabado de sair do banho, me senti completamente podre.
Me sentei ao seu lado devagar, observando seu sono desconfortável, e não demorou muito para que minha visão ficasse embaçada e uma lágrima escorresse pelo meu rosto, descendo rapidamente até pingar na blusa. Imediatamente a enxuguei, fungando baixinho e esfregando os olhos com as costas das mãos. Se ele acordasse e me visse chorando, eu não saberia o que dizer. Ele jamais poderia me flagrar naquele estado, não sem motivo aparente. Além do mais, eu havia escolhido aquele caminho, portanto, eu deveria arcar com as conseqüências de meus próprios atos. Eu era fraca demais, incapaz de controlar minhas ações, e merecia sofrer calada por isso. Não havia perdão para o que eu estava fazendo, e muito menos pelo fato de me conformar com isso. Eu merecia passar por todo aquele sofrimento. A culpa era toda minha.
Deitei a cabeça no travesseiro, ainda encarando o perfil de Fe, e continuei velando seu sono, até que o cansaço me venceu, auxiliado por mais algumas lágrimas silenciosas e insistentes que escaparam por meus olhos e umedeceram a fronha sob meu rosto. Quando na verdade, eu merecia me afogar nelas.

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