Nao sou um mero brinquedo

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Capítulo 21

- Eu não acredito! É você mesmo? Já faz tanto tempo que não te vejo que já estava esquecendo seu rosto!
Respirei fundo ao ver Bruna estender os braços em minha direção, com um sorriso divertido, e não pude deixar de rir, mesmo que pouco, de sua recepção exagerada. Ao vê-la depois de dois dias tão turbulentos e completamente distantes de minha realidade, me dei conta de que minha vida tinha, de certa forma, voltado ao normal: eu tinha uma mãe que me amava, uma melhor amiga que me apoiava em praticamente tudo, e um namorado simplesmente fascinado por mim. A cada passo meu que ecoava pelo frio pátio do colégio, uma simples pergunta se intensificava em minha mente, tornando-se quase impossível de ser ignorada. Mas não de ser respondida.
O que mais eu poderia querer?
- Que saudade – foi tudo que consegui dizer quando cheguei perto dela, abraçando-a com força. A sensação de poder contar com alguém que provavelmente não me mataria se descobrisse meus segredos, e inclusive já sabia de uma boa parte deles, era extremamente revigorante.
- Hm, não gostei desse seu tom de voz – ela murmurou, ainda me abraçando, e eu sorri fraco, comprovando minha teoria de que estava pra nascer uma pessoa que me conhecesse tão bem como ela – Acho bom a senhorita me contar tudinho, ouviu? E a propósito, cadê o Fe?
- Ele não vem hoje – respondi, e ela desfez o abraço pra poder me ver, com a expressão confusa – Está no hospital.
Bruna arregalou os olhos, assustada, e meu rosto adotou traços pesarosos.
- Isabella Santoni... O que raios você fez com ele? – ela sussurrou, e se eu não estivesse tão esquisita, teria rolado de rir. Mas apenas sorri fraco novamente e balancei a cabeça em negação.
- Calma, não é nada do que você tá pensando – expliquei, e ela colocou a mão sobre o peito, um pouco mais aliviada – Ele tomou sol demais e acho que está com um princípio de insolação. Tive que insistir muito com ele hoje de manhã pra que ele concordasse em ir ao médico e ignorasse o fato de que tinha que dar aulas.
Sim, eu finalmente o tinha convencido a ir ao hospital, depois de um certo esforço. Antes de ir para a escola, ajudei Fe a vestir uma blusa e uma bermuda, e o coloquei dentro de um táxi, já que dirigir seria um pouco difícil pra ele. Como não podia acompanhá-lo, por medo de sermos flagrados juntos, pedi ao motorista do táxi que o ajudasse a se locomover e o esperasse durante seu atendimento (óbvio que tive que gastar um pouco de minha mesada nessa transação, mas não deixei que Fe visse essa parte), e pedi também para que o sempre simpático porteiro, Andy, o ajudasse a subir até seu apartamento na volta. Mesmo sabendo que tudo ficaria bem, um certo aperto em meu peito por não poder estar com ele insistia em me deixar deprimida. Pelo menos fiz Fe prometer que me ligaria assim que chegasse em casa, o que de certa forma me tranqüilizava um pouco.
- Coitadinho – Bruna lamentou, fazendo cara de pena, e eu assenti – Mas não se preocupe, vai ver que ele melhorará rapidinho. E você, não tomou sol não? Tá parecendo uma zumbi, credo.
- Tomei sim, tá legal? Você sabe que meu bronzeado não dura, e quando dura, é pra ficar descascando logo depois – resmunguei ofendida, cruzando meus braços e fazendo Bruna rir – Então eu prefiro que ele não dure mesmo.
- Sei sim, você é toda problemática – ela assentiu, ainda rindo um pouco, mas logo sua expressão se tornou séria e sua voz diminuiu de volume – Ih, falando em problema...
Franzi a testa em sinal de dúvida, mas assim que percebi a fixação do olhar de Bruna em direção a algo atrás de mim, já soube do que se tratava. Nem me dei ao trabalho de virar para saber quem havia acabado de chegar. Três segundos depois, Rafael passou bem ao nosso lado, e seu perfume adentrou minhas narinas, assim como meus olhos se fixaram inconscientemente em seus cabelos bagunçados, sua nuca e...
Puta merda, Vitti. Precisava ter vindo de preto? Justo de preto? Por que ele tinha que jogar tão na minha cara que tinha um corpo simplesmente perfeito? Argh, vai pro inferno, demônio.
- Problema? – gaguejei, desviando meus olhos involuntariamente grudados ao corpo de Rafael (mais especificamente, à sua bunda ressaltada pela calça um pouco justa) rapidamente e voltando a olhá-la com uma pontada de frustração e ressentimento – Não vejo problema nenhum.
Bruna ergueu uma sobrancelha, cética, e minha firmeza vacilou um pouco.
- Desde quando você atingiu esse ponto de autocontrole? – ela perguntou, e eu apenas revirei os olhos, fingindo desinteresse.
- Não é autocontrole – respondi, balançando negativamente a cabeça e tomando todos os cuidados necessários para não olhar para Rafael, por mais que a porta da sala dos professores ficasse na mesma direção de Bruna e ele estivesse passando por ali naquele exato momento – É determinação. Eu amo Fe, e ele também me ama... Por que eu precisaria de mais alguém?
- Não sei – ela deu de ombros, abandonando a expressão desconfiada e mudando para uma distraída – Sexo, talvez.
- Bruna! – exclamei, empurrando-a de leve, e um sorrisinho safado surgiu em seu rosto, assim como minhas bochechas devem ter corado.
- Ah, Isabella, fala sério... Sexo é ótimo e você sabe muito bem disso – ela riu baixo, apontando pra mim e fazendo cara de sabida – Não tente bancar a santinha, porque comigo não cola.
Apesar de desaprovar seu comentário desnecessário (e seu alto teor de fatos reais), não consegui responder nada. Minha concentração se esvaiu novamente e meus olhos foram cruelmente arrancados de Bruna e conectados a Rafael, que agora fazia o caminho inverso ao anterior para entrar no prédio onde ficavam as salas. Conforme se aproximava da entrada do prédio, que por sinal era onde eu e Bruna estávamos paradas, sua expressão fechada se tornava cada vez mais nítida, e, infelizmente, mais bonita. Não que eu ligasse para isso, claro.
Respirei fundo, afastando todo e qualquer pensamento indesejado de minha mente, e finalmente consegui rebater a brincadeira idiota de Bruna, alto o suficiente para que Rafael me ouvisse ao passar bem atrás dela.
– Posso até não ser santa... Mas não sou um mero brinquedo.
Assim que as últimas palavras saíram de minha boca, Rafael parou de andar, logo atrás de Bruna. Meu olhar ávido acompanhou seu rosto enquanto ele o virava na minha direção, e logo os aros Castanhos de seus olhos se tornaram plenamente visíveis. Sua testa estava franzida sobre eles, e seus lábios estavam firmemente fechados, formando uma linha reta e demonstrando sua seriedade. Não desviei meu olhar do dele; pelo contrário, intensifiquei nossa conexão visual até que ele se desse conta de que estava me olhando por tempo demais e passasse a encarar o chão, voltando a andar logo em seguida. Bruna, confusa demais para entender alguma coisa, apenas olhou para trás tentando acompanhar meu olhar ainda fixo, e ao encontrar a porta do prédio já vazia, voltou a me encarar, desconfiada.
- Se antes eu já estava achando que precisava saber de algo, agora eu tenho certeza absoluta disso – ela murmurou, me analisando minuciosamente, e eu não conseguia tirar meus olhos do local onde antes Rafael me encarava – Mas seja lá o que esse algo for, tenho a impressão de que não é nada pacífico.
- Alguém já te disse que seu poder de dedução é simplesmente incrível? - sorri de um jeito maldoso, satisfeita por ter conseguido alfinetar o idiota do Vitti, e voltei a olhar para Bruna, que ainda me fitava daquele jeito desconfiado. De pacífica, aquela história não tinha absolutamente nada. Aliás, tudo que envolvesse Rafael Vitti em minha vida jamais seria pacífico.
E tal constatação me fez concluir, agora com certeza, que minha vida havia realmente voltado ao normal.

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