Não tinha como saber há quanto tempo estávamos andando, mas horas pareciam ter se passado quando começamos a sentir aquele cheiro.
_Que fedor é esse? — Perguntei apertando o nariz. Um instante depois bati meu corpo contra algo, ou melhor alguém. Allastor. — O que foi?
Eu não conseguia ver sua expressão, mas tive a impressão de que ele estava tremendo.
_Silêncio.
As árvores sumiram do meu campo de visão quase como se estivessem se encolhendo por causa do cheiro, acontecia sempre assim naquele lugar, num momento você está em Mutalg, no outro, não está mais, a floresta te mantém preso nela pelo tempo que quiser.
Agora, cogumelos gigantescos ocupavam os espaços onde antes estavam a grandiosas e retorcidas árvores da floresta, mas não era a visão dos cogumelos que chamava a atenção. Eu me lembrava bem daquele lugar, segundo a crença dos nortenhos aquela floresta tinha crescido a partir da batalha de Aestir contra os gigantes de gelo de Ébero que tinham sido enviados para conquistar as terras do deus Olidan, então Aestir lutou contra o invasor, ao lados dos lobos sagrados do deus do Norte, e decapitou todos os gigantes enterrando suas cabeças debaixo da terra para que Ébero não conseguisse mais ressucitar nenhum dos seus soldados. A lenda contava que a partir da cabeça de cada gigante nasceu uma gigantesca árvore de cogumelo que jamais poderia ser destruída, nem mesmo com fogo e que ali ficariam abrigados os espíritos das almas sacrificadas em batalhas, presas entre este mundo e o próximo como guardiões.
As árvores eram longas e todas tinham um tom desbotado de sépia com topos redondos e achatados, mas não eram nada comparado com campo de corpos no chão.
Refugiados da primeira guerra, os restos dos soldados da rainha Marfim estavam espalhados pelo chão em acelerado estado de decomposição. Era a maldição daquele lugar, os nortenhos acreditavam que ninguém nunca conseguia morrer completamente na Floresta de Cogumelos, qualquer corpo ali ficaria eternamente em um lento estado de decomposição, preso neste mundo, condenados à existirem no vazio bem como meus predecessores. Não era uma coincidência todos terem sido capturados ali, Elizabeth queria transformar aquele lugar num símbolo perpétuo do fracasso de Marmoreal, obrigar o Norte a carregar pela eternidade o corpo de seus soldados perdidos. Enviar um aviso claro do que acontecia com quem dava as costas ao Império. Então ela sugeriu uma armadilha, um acampamento falso onde estaríamos aparentemente despreparados e cansados demais para lutar, como Elizabeth bem sabia, os soldados brancos vieram e rapidamente ficaram cercados. Sua única opção seria recuar até a floresta dos cogumelos e tentar caminho para Mutalg onde poder poderiam se reagrupar.
Teria dado certo, se eu e Jaguardarte já não estivéssemos lá os esperando. O fogo os varreu em poucos minutos e o que sobrou foi uma cena sombria de um mar de corpos derretidos se contorcendo uns sobre os outros. Mesmo assim, comprovando a veracidade das lendas, as árvores não queimaram.
Poucos metros à minha frente o primeiro corpo distinguivel era o de um garoto que não deveria ter mais do que dezessete anos, o uniforme antes branco agora estava podre misturado com terra, lama, fezes e sangue. Os braços e perdas estavam fora do corpo perdidos em algum lugar, ao redor dos seus membros a carne já estava negra e cheia de moscas. Os olhos fundos e o nariz coberto por parasitas comedores de carne morta já mostrava a face escaveirada do cadáver, mas ele nunca sairia daquele estado. Seria alimento de verme pro resto da vida. Eu deveria admirar a poesia que Elizabeth criou naquele lugar, usar um lugar sagrado para o Norte, motivo de orgulho para seu povo como um perpétuo túmulo aberto dos seus filhos e filhas, uma piada cruel.
Perto do menino, o corpo de uma garota se sobressaia por cima do amontoado de carne morta, seu rosto estava praticamente intacto, pálido com as extremidades roxas e os olhos abertos fixos no céu. Ela parecia ter morrido enquanto rezava aos deuses. Me perguntei se ela conseguia me ver ali, se ela sabia que tinha sido morta por minha causa. O que ela diria se pudesse falar.
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Alice no País das Sombras [EM REVISÃO]
FantasyDe volta ao Submundo, a pequena e curiosa Alice é somente uma memória desbotada e frágil dentro de uma mente caótica e sombria. Agora, mais do que nunca, Alice deseja o sangue e a cabeça de seus inimigos e não irá medir esforços para alcançar a coro...