8. Batendo à porta de um morto

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Alcançamos o rio na alvorada. Elric prendeu a rédea do danin numa árvore perto da água e começou a esvaziar as bolsas puxando peles e embrulhos de couro antes de me ajudar a descer, eu já estava tremendo de frio e totalmente nauseada.

_Você está com febre.

Bati na mão dele para afastá-la da minha testa e revirei os olhos diante do seu olhar ultrajado.

_Não precisa constatar o óbvio, se não há nada a ser feito apenas deixe estar. Para onde estamos indo, aliás?

_Estamos aos pés das montanhas Fenrir agora, existe uma cidade a noroeste, cerca de cinquenta quilômetros daqui. É para lá que vamos.

_Então por que paramos?

Cruzar toda essa distância montando um danin nos custaria, pelo menos, mais um dia inteiro sem nenhum tipo de parada. Elric certamente sabia disso melhor do que eu, mas continuava fazendo inventário do conteúdo da bagagem presa na cela do animal como se estivesse preparando um maldito piquenique, para alguém que estava até poucas horas atrás preocupado em me salvar da infecção, ele parecia bem calmo agora.

Eu teria gritado com ele ou, se pelo menos conseguisse andar, o atiraria na água, mas minha perna estava completamente dormente agora e eu não conseguia decidir se era uma coisa boa ou ruim não estar mais sentindo meus dedos dos pés. O frio tinha tomado conta de tudo e parecia que até meus ossos estavam congelando, mesmo com o Sol aparecendo seu calor ainda era tímido demais para fazer alguma diferença. Estiquei o corpo para alcançar um cobertor felpudo que o príncipe tinha atirado no chão, mas antes que eu tivesse qualquer chance Elric puxou a coberta de volta. A enrolou e enfiou de novo na sacola. O danin continuou procurando raízes pelo chão sem se incomodar conosco.

_Eu estou congelando!

_Então você pode constatar o óbvio e eu não? Fique quieta aí, preciso pegar água e fazer uma fogueira.

Enquanto falava, Elric ia e vinha cortando galhos mais baixos das árvores e testando para ver se não estavam úmidos demais. Ele me atirou um saco pequeno com alguns pães de leite dentro, ainda tinham um cheiro bom apesar do couro, mesmo assim meu estômago se revirou. Fiquei em silêncio enquanto observava o príncipe preparar uma fogueira e depois começar a arrancar pedaços da casca de um dos freixos na margem do rio. Meus olhos estavam ardendo por causa do cansaço e quando pisquei Elric estava agachado diante de mim segurando uma caneca de metal fumegante na frente do meu rosto.

_Caso esteja se perguntando é só chá de freixo.

_Não estava — falei enquanto aceitava o copo, ansiosa por aquele calor bem-vindo — se quisesse me matar era só não fazer nada.

Elric piscou sorrindo e se afastou logo depois.

Bebi o chá devagar, tanto para tentar fazer aquele calor durar pelo máximo de tempo possível quanto para evitar vomitar tudo de volta. Enquanto isso o príncipe apagava o fogo e recolhia todas as coisas de volta de forma sistemática e precisa, me fazendo pensar nos acampamentos vermelhos sendo montados e desmontados pelos soldados o tempo todo na época da guerra.

_Disse que estava no meu julgamento, falou a verdade?

Elric hesitou por um segundo enquanto prendia de novo a bolsa na cela do danin, de costas, tudo o que eu podia ver eram suas mãos trabalhando rápido com as cordas e fechos e me peguei curiosa sobre qual seria sua expressão. Se em algum momento ele me deixaria ver a raiva que ele mantinha trancada por trás daqueles olhos glaciais como os da mãe.

_Para falar a verdade eu nunca entendi bem essa parte. Você passou meses conosco, depois simplesmente desapareceu, quando voltou era a montadora de dragão da Rainha Vermelha e estava à frente de um exército.

Alice no País das Sombras [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora