7. O príncipe feito gelo e escuridão

2.8K 248 23
                                    

Encontrei Elric de pé no meio da estrada lá em cima me olhando silenciosamente a medida que eu me aproximava.

_Espero que você tenha uma rota diferente, — falei passando por ele, peguei sua mão e a fechei ao redor do glóbulo de Valete — porque eu tenho certeza que há um exército esperando por nós do outro lado desses paredões.

Parei alguns metros depois dele e me virei para encará-lo me lembrando de repente da nossa conversa de antes.

_Qual era a pergunta?

Elric franziu o cenho, mas logo depois sua expressão clareou. A pergunta que ele iria me fazer antes do início daquele ataque. Ele abriu a mão olhando para o glóbulo ocular sujo de sangue por um longo momento, depois o atirou para longe na direção das chamas de uma cabana e limpou o sangue no próprio casaco enquanto voltava a andar.

_Não importa mais.

Existia uma segunda passagem pelas montanhas, através de uma colina íngreme de pedras e árvores. Já era noite há um bom tempo, mas a luz produzida pelo fogo das casas em chamas criava luz suficiente para uma tarde. Os soldados vermelhos restantes se concentravam ao redor de Valete e já não havia na cidade mais nenhuma pessoa para matar, ou ser salva. Mesmo assim, notei que o príncipe olhava constantemente para trás, mas não saberia dizer se por medo de sermos seguidos ou por algum outro motivo.

Por causa do ferimento na minhas perna eu não conseguia escalar a encosta e se Elric ficou incomodado em precisar me carregar montanha acima, não demonstrou. Notei que ele tinha uma espada presa no cinto do lado direito e mais um longo e belíssimo machado nórdico cheio de detalhes nas lâminas.

A subida era extremamente perigosa por causa do musgo escorregadio que crescia por entre as árvores e várias vezes Elric precisou praticamente engatinhar, prendendo mãos e pés em pequenas fissuras na pedra para nos manter o mais seguros possível. Podíamos contar com as árvores e a gigantesca cortina de fumaça que subia aos céus para cobrir nosso rastro, mas esse também era um sinal que poderia ser visto a quilômetros de distância e atrair olhares indesejados. O amanhecer veio e se foi e com ele os sons do pequeno vilarejo. Àquela altura era impossível dizer se ainda havia algum soldado vermelho lá em baixo nos procurando.

Quando a escalada chegou ao fim, o Sol já estava a pino no céu. Elric respirava pesadamente enquanto me soltava em cima de uma rocha e tornava a olhar para a direção de onde viemos. O fogo na cidade ardia, mas dali só era possível ver a fumaça e qualquer outro som era suprido pelos oito ventos do norte. Eu ainda tinha uma centena de perguntas em mente, mas sabia que aquele não era o lugar e nem o momento para satisfazer minha curiosidade. Decidi rasgar parte da minha blusa para amarrar no ferimento da coxa que ainda sangrava e agora que a adrenalina da batalha se fora estava começando a doer muito mais profundamente que antes. Em algum momento Elric bufou alto e se abaixou de repente ao meu lado pegando para si o trabalho de amarrar minhas bandagens. O empurrei na mesma hora.

_O que pensa que está fazendo?

O príncipe não parecia mais tão amigável agora, coberto de suor e os as mãos machucadas e sujas de sangue e terra. Ele me olhava de um jeito sério, mas não deixava transparecer o que quer que estivesse pensando. Não tinha nenhuma semelhança com seus pais nesse ponto, embora fosse boa atriz, a Miranda Lester sempre foi uma rainha muito expressiva e Thomas... Chapeleiro nunca mentia.

_Qual o problema? — Elric se levantou.

Parei de olhar para seu rosto e voltei a prestar atenção na tarefa de apertar o tecido na minha perna. Podia sentir os olhos deles fixos em mim. Impassível. Teimoso.

Alice no País das Sombras [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora