14. Os bastardos têm suas regras

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A viagem até Fensalir durou quase duas semanas. À medida que adentramos mais a Província as ruas ficaram mais movimentadas e eu passava quase todo o tempo usando um lenço que cobria todo o rosto, exceto os olhos. Com os ventos do inverno cada vez mais presentes, o Sol aparecia pouco e as noites eram longas e frias.

No fim do décimo segundo dia de viagem, as luzes de Fensalir surgiram no horizonte. Era um monumental centro comercial que se estendia por toda a costa, tendo os palácios da Casa de Erik como seus núcleos centrais. Diferente da maioria das grandes cidades, Fensalir não contava com grandes muros para se proteger de inimigos, porque a própria cidade era uma muralha. As estradas principais primeiro atravessavam pequenas fazendas produtoras de leite e lã, e depois iam afunilando até as construções feitas com rocha esmagada até se tornar um pó muito fino e pedras de mármore. As casas eram construídas umas em cima das outras até cinco ou seis andares sem qualquer lógica ou direção certa, de forma que a cidade era um labirinto gigante.

Qualquer exército que tentasse invadi-la não iria precisar lidar com muros, era impossível derrubar as casas e as ruas mais largas não permitiam a passagem de mais do que três homens grandes lado a lado.

— Esse lugar conseguiu ficar mais feio do que já era — Kyetvet resmungou.

— Quando foi a última vez que esteve aqui?

Eu nunca tinha visto Fensalir com meus próprios olhos, Elizabeth não tinha interesse ou condições de vencer uma guerra contra a Província então toda a invasão vermelha se concentrou nas cidades ao leste, mesmo assim, não existia um livro de guerra e estratégia em batalha que não dedicasse algumas páginas aquele lugar. Onde a bagunça e a desordem criaram um forte impenetrável.

— Cinquenta anos atrás, acho. Ou sessenta. O quê?

Eu queria perguntar como alguém poderia ser tão velho, mas se a aparência de Kyetvet não demonstrava o teor de seus duzentos anos de idade, seu mau humor sim. Balancei a cabeça, guardando meus comentários para mim e apenas fiz sinal para que prosseguissemos. Antes de começar a descer a colina em direção a entrada da cidade, olhei para trás uma última vez, incapaz de conter a curiosidade. Não tivemos qualquer notícia sobre Pilatos ao longo da viagem e ao mesmo tempo em que isso era bom, também era ruim.

— Acha que eles estão vivos?

— Preocupe-se em manter sua própria cabeça no pescoço a partir de agora. Deixe que Elric cuide de si mesmo.

Apesar de dizer isso, Kyetvet também olhou para trás uma última vez antes de bater as rédeas de seu cavalo e seguir em frente.

Segundo o que Elric tinha me dito, as cidades da Província eram onde existia a menor quantidade de soldados vermelhos, em detrimento do poder e da autonomia de Huginn, Fensalir e Moriam. Elizabeth não podia se indispor com as Casas que ali reinavam porque eram elas que detinham a maior parte do poder bélico e tecnológico da nação, bem como eram donas de metade dos portos do país. Além disso, invadir qualquer uma das três cidades estava fora de cogitação, mesmo com Jaguadarte eram batalhas que demandariam tempo e recursos inimagináveis do exército vermelho, razão pela qual a melhor saída para ambos os lados foi o Pacto da Província, que colocava o poder da administração de todo o território nas mãos das três famílias mais poderosas das cidades e ao mesmo tempo os submetia às leis do Sul e a coroa de Elizabeth.

Em tese.

Na prática, a coisa se desenrolou de outra maneira. Eu e Kyetvet nos juntamos à multidão de pessoas que voltavam para o labirinto de prédios no crepúsculo, mas o fluxo de entrada para a cidade parecia mais cheio e inquieto do que o comum. Assim que conseguimos nos aproximar o suficiente, entendemos o porquê e o semi-elfo xingou na língua antiga.

Alice no País das Sombras [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora