Alice no País das Sombras [EM REVISÃO]

21. Os segredos do velho império

Jack tinha razão, nós estávamos na lendária biblioteca de Nemesi, deusa guardiã das memórias do mundo. Enquanto vasculhava os livros e os registros, ele me contou sobre as antigas lendas Medrak sobre a deusa dos pesadelos, eu não sabia muito sobre o clã dos deuses sombrios, uma vez que as cidades do Continente adoravam os deuses do clã Faüll em sua maioria e alguns deuses dos clãs Nuthard e Vänir, mas quanto mais o lorde pirata falava, menos as histórias pareciam mera ficção. Como todos os textos dentro da biblioteca estavam escritos na língua que nós supomos ser a língua do clã Seokga, e Jack não conseguia ler nem um deles, ele ajudava reunindo os títulos que pareciam mais interessantes e pertinentes enquanto eu folheava os livros atrás de informações úteis.

— Existem livros sobre tudo aqui, — murmurei, deixando um livro de lado e pegando outro, — tem um volume inteiro sobre a criação de armaduras para dragões.

— Concentre-se em procurar algo útil sobre as pessoas do quadro, ou sobre um jeito de sair desse lugar.

Descartei o último livro depois de me certificar que ele era um longo registro sobre a construção de uma fortaleza em alguma cidade além do oceano Fórcis e peguei outro exemplar grande e pesado, que tinha o dobro do tamanho de um livro grande e as páginas eram feitas de papiro e não papel comum. Li o título em voz alta:

— A história dos imperadores e imperatrizes do mundo.

— Esse parece promissor.

Jack deixou para trás a prateleira que vinha vasculhando e se sentou no chão ao meu lado, empurrando alguns livros para ter espaço. Eu não conseguia deixar de pensar que Elric amaria aquele lugar e também em como todo aquele conhecimento poderia ser perigoso, eu e Jack não tínhamos vasculhado nem um por cento da biblioteca e eu já tinha visto uma dúzia de obras sobre mestres da política, da agronomia, arquitetura, diplomacia e arte da guerra. Cada uma das obras era assinada por algum estudioso de renome em seu tempo e todos eles pertenciam às várias cortes submetidas ao Império Avery. Nem um de nós dois falou, mas eu sabia que o mesmo pensamento rondava a mente de Jack, a dúvida sobre as reais intenções do príncipe herdeiro em nos enviar para aquele lugar.

Abri o livro e senti a textura áspera da página escura. A tinta era ainda mais escura e preenchia a página com elegância, além dos textos havia ilustrações sobre algumas das pessoas referenciadas ao longo da narrativa. Notei que era o único volume sem a assinatura do autor.

— O que diz aí? — Jack me cutucou.

— É um epílogo sobre a criação do mundo, como a deusa Thez'kat matou Jöurmuhr e a partir das partes fatiadas do deus morto surgiram os quatro clãs e os grandes continentes.

Passei os dedos sobre a ilustração que cobria a segunda página. Nela, uma mulher vestida com uma armadura de guerra robusta e longos cabelos cacheados estava de costas, erguendo uma espada brilhante sobre sua cabeça, enquanto encarava uma besta que se erguia do mar diante dela. A besta era muito maior do que a mulher e só sua cabeça preenchia quase toda a página, tinha uma aparência híbrida entre cobra e dragão e parecia prestes a devorar a mulher. Eu li muitos livros sobre a criação do mundo em meu tempo na corte vermelha, embora Helena se concentrasse nesses pontos apenas superficialmente, para me ensinar com mais cuidado as diversas línguas faladas no Continente, eu gostava de passar o tempo livre lendo sobre as histórias dos grandes guerreiros imortais do mundo, mas nem um deles se comparava a narração daquele autor desconhecido.

— Isso é bobagem — Jack resmungou, — diz algo sobre os Avery ou sobre a espada Carnov?

Revirei os olhos e avancei algumas páginas do livro, é óbvio que um pirata inconsequente não estaria interessado naquele assunto. O texto seguiu narrando como os membros separados de Jöurmuhr criaram cada clã e como se deram as alianças entre os deuses, havia uma dezena de ilustrações tão bonitas quanto a primeira, mas eu não me entreti muito nessas partes. Jack estava resmungando sobre aquele provavelmente ser um livro para crianças quando o nome no início de um capítulo chamou sua atenção, assim como a minha. O nome de Margoth Avery foi escrito em letras cursivas delicadas e precisas.