Vento no litoral

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Chamei Isabela para ir comigo comprar o disco da Legião Urbana e, depois, dar uma volta pela praia. Ela topou. Combinamos de nos encontrar na loja. Esperei por mais de meia hora. Ela não apareceu. Esse foi o primeiro de vários canos que Isabela me deu. Ela não era de cumprir promessas nem se preocupava em chegar na hora marcada. Quem a quisesse que a esperasse.

Após comprar o disco, fui sozinho caminhar pela praia. O céu estava nublado, com chuviscos esporádicos e soprava um vento forte. Gosto de praia sem sol e sem banhistas; praia só minha. Subi o Morro do Farol, uma formação rochosa com um precipício de quase 600 metros de altura. Era o local que mais amava na cidade. Costumava subi-lo em dias cinzas e tristes – quando o lugar normalmente estava deserto – para contemplar o mar lá do alto sem ser incomodado por ninguém. Mas naquela tarde...

"Oi."

Ele apareceu sem eu perceber. Era um homem de mais ou menos 40 anos. Olhei para o sujeito com curiosidade.

"Posso me sentar aqui com você?", pediu.

"Tudo bem", assenti.

O homem se sentou ao meu lado. Era professor universitário e estava na cidade para participar de um seminário sobre educação. Para mim, sempre foi penoso conversar com desconhecidos. Nunca sei que assuntos abordar, o que falar, como me comportar. Em situações assim me limitava a responder as perguntas que me faziam.

"Como você se chama?"

"Otávio."

"Você é daqui mesmo?"

"Sim."

"Você tem quantos anos?"

"14."

"Você tem namorada?"

"Não."

"Você já transou com alguma menina?"

Hesitei por um instante.

"Ainda não."

"E com meninos?"

Eu me calei.

Quando era garoto, meu plano mirabolante era me mudar de mochila, boné e walkman para Marte. No meu delírio escapista, marcianos eram homenzinhos verdes aparentemente mais evoluídos do que nós. Se já realizavam viagens intergalácticas, deviam ter superado qualquer tipo de preconceito há muito tempo e eu queria habitar um mundo sem preconceitos, um mundo que não fizesse eu me ver no espelho como um estranho. Era como eu me sentia – um estranho! – desde que começara a perceber que algo em mim não estava de acordo com a "normalidade", algo em mim não "funcionava direito". Eu sabia o que aquele homem cobiçava com aquela conversa mole e, apavorado, morrendo de medo de acabar cedendo à investida dele, fugi. Levantei e saí dali com passos rápidos. Desci o Morro do Farol e corri pela areia da praia até exaurir minhas pernas, esgotar o meu fôlego. Parei, encurvei o corpo e apoiei as mãos sobre os joelhos para não cair desfalecido de exaustão. Andei em círculos pela areia, revoltado comigo e com o homem que me abordara, atiçando o desejo que eu fazia de tudo para manter enterrado dentro de mim, adormecido em algum canto obscuro da minha alma.

"Seu filho da puta!", gritei em direção ao morro.

Por mais complicado que fosse para um garoto de 14 anos, eu me esquivava de pensar em sexo. Essa era a estratégia que havia bolado para não fazer "coisas erradas" até essa fase passar. Eu tinha lido em alguma publicação que, muitas vezes, o adolescente atravessa uma fase de experimentação passageira e, por curiosidade, pode até ter relações homossexuais, mas isso não significava que ele era homossexual. Eu apostava nisso. Acreditava que em breve começaria a sentir atração por meninas.

"Você nunca namorou?", perguntou Isabela.

Era meados de agosto. Fazia frio. Estávamos no alto do Morro do Farol, contemplando o mar.

"Não", respondi.

"Eu já."

"Com quem?"

"Com um menino da escola."

"Você gostava dele?"

"Acho que não."

"Então por que você namorou com ele?"

"Sei lá, pra experimentar, ver como é."

"Você já... Quer dizer... Eu ia perguntar se você... Ah, esquece, deixa pra lá."

Isabela notou o meu embaraço.

"Eu sei o que você ia perguntar. Transei só uma vez."

"E foi bom?"

"Foi... Quer dizer... Foi mais ou menos. E você?"

Queria muito dividir as minhas dúvidas com Isabela, falar com ela sobre a fase pela qual eu estava passando, pedir a opinião dela, mas não consegui me abrir, e menti.

"Uma vez também."

"E você gostou?"

"Gostei."


Gente legal não gosta de Legião UrbanaOnde histórias criam vida. Descubra agora