Sempre ao lado dela

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Sábado à noite, no fim de semana antes do início das aulas, a mãe de Isabela foi internada às pressas. Ao saber do ocorrido pedi para o meu pai me levar ao hospital. Queria ficar ao lado de Isabela, dar apoio, confortá-la, ajudá-la no que fosse possível. Meu pai concordou em me levar, contrariando vontade da minha mãe, que, indiferente, disse que era desnecessário eu ir já que não seria útil para nada.

"A Isabela é amiga do nosso filho", repreendeu meu pai. E acrescentou: "Você devia apoiá-lo por ele querer estar com a amiga dele numa hora dessas".

No caminho para o hospital, meu pai, com o semblante triste, conversou comigo sobre minha mãe.

"Sua mãe não foi sempre assim, filho."

"Eu sei. Foi eu que estraguei com a vida dela."

"Não, você não tem culpa de nada!", advertiu meu pai. Depois, explicou: "Sabe, filho, existem pessoas que vêm ao mundo com a alma frágil e, na primeira rasteira que levam da vida, se quebram inteiras. Sua mãe é dessas pessoas".

Meu pai era o cara mais legal do planeta. Compreensivo, sereno, benevolente. Por não saber dizer não às pessoas, era alvo de bandos de aproveitadores que deviam dinheiro para ele. Pessoas que o chamavam de amigo em momentos de necessidade e sumiam após terem conseguido dele o que cobiçavam. Mesmo enganado, surrupiado, traído, meu pai não se alterava. Permanecia inabalável em sua mansidão, e esse seu temperamento dócil e conciliatório muitas vezes me irritava.

Chegamos ao hospital. Avisei meu pai que, se fosse necessário, ficaria a noite toda com Isabela. Ele concordou. Entrei, atravessei corredores cheios de gente desgraçada e encontrei Isabela em uma sala de espera.

"O que aconteceu, Isa? Foi acidente?"

"Não. Ela só ingeriu comprimidos demais", respondeu Isabela sem alarde, sem aflição.

O pai de Isabela apareceu.

"Avisaram que estão fazendo uma lavagem estomacal na sua mãe. Ela vai ficar bem. Oi, Otávio."

"Oi."

O jeito que o pai de Isabela olhava para mim me incomodava desde o dia em que fomos apresentados. Era um olhar intrometido, saliente, que parecia querer ver dentro de mim. Toda vez que o encontrava me furtava de encará-lo.

"Ele faz isso mesmo. Diz que a gente nunca deve desviar os olhos dos olhos das outras pessoas para não demonstrar fraqueza, medo, essas bobagens", explicou Isabela certa vez.

O pai de Isabela trabalhava como consultor técnico de uma rede de supermercados e viajava quase toda semana. Quando retornava para casa, a mãe de Isabela acusava o marido de traição, de ir para a cama com outras mulheres durante suas viagens. Essa era a causa das constantes brigas entre os dois. Isabela não sabia se seu pai era mesmo infiel ou se sua mãe delirava, movida por um ciúme doentio.

"Sempre pensei que sua mãe fosse feliz."

"Só aparência. Não fossem os comprimidos que ela toma para se controlar, acho que já teria enlouquecido."

"Você acha que ela..."

Isabela me interrompeu.

"Acho não! Tenho certeza que ela tentou se matar."

Ficamos no hospital até a confirmação de que a mãe de Isabela não corria nenhum risco de morte. Ela passaria a noite internada e seria liberada na manhã seguinte. Antes de irmos embora, fomos vê-la no quarto. Estava sedada, pálida, com os cabelos soltos e desgrenhados – nem parecia a mesma mulher de aspecto jovial que eu conhecia. Isabela nada disse. Espiou a mãe por dois ou três minutos sem demonstrar emoção e saiu do quarto. Em silêncio, fui atrás dela. No carro, Isabela interrogou o pai.

"Por que você faz minha mãe sofrer?"

"Sua mãe não precisa de ninguém que a faça sofrer, Isa. Ela sofre sozinha", respondeu o pai de Isabela após estacionar o carro em frente da minha casa.

Me despedi dos dois e entrei em casa com afrase do pai de Isabela guardada para sempre dentro de mim. Acho que eu, assimcomo a mãe de Isabela, também não preciso de ninguém que me faça sofrer. Eusofro sozinho.    


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