Capítulo 3 - A câmara de tortura

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A câmara de tortura

No quarto escuro e malcheiroso, a Rainha Zerda permanecia acorrentada à cama. No início, logo que o Rei Rufus a fizera prisioneira, ele a visitava com frequência e cobrava das criadas a limpeza do ambiente e os cuidados com a esposa, no entanto, com o passar do tempo, suas visitas foram ficando mais espaçadas e a rainha foi caindo no esquecimento de todos, ou quase todos.

Diariamente, pela manhã, um criado aparecia para lhe tirar a mordaça e lhe dar uma ração azeda com um pouco de água. Nessas ocasiões, a rainha costumava xingá-lo e descarregava no pobre coitado toda a sua fúria contra o rei, até perceber que ele era surdo-mudo. Depois de algumas semanas, ele passou a ser sua única companhia e, com algum esforço, conseguiu fazê-lo entender que ela precisava de asseio. Sentindo-se vingado, mas também compadecido com aquela que havia sido sua carrasca e sequer era capaz de se lembrar dele, o criado passou a limpá-la e a trocar os panos que a cobriam, até que um dia, não resistiu e resolveu se aliviar ali, nas partes íntimas dela, tornando isso uma rotina. Porém, mais alguém resolvera frequentar o seu quarto com regularidade. Ele costumava aparecer na hora mais silenciosa, sempre vestindo uma túnica negra e com a cabeça coberta por um capuz, impedindo que a Rainha Zerda visse qualquer parte do seu corpo. Nem mesmo as mãos ficavam expostas para que ela pudesse identificar ao menos a raça daquele miserável que a penetrava violentamente. Astuto, ele desviava o olhar e tudo que ela percebia era um vulto pesado sobre o seu corpo, afastando os panos entre suas pernas e cravando suas garras para que ela mantivesse as coxas abertas. Esporadicamente, suas mãos procuravam seus seios, mas na maioria das vezes ele só estava interessado em possuí-la. Na primeira vez, a rainha quase vomitou, nauseada com o cheiro dele, mas se controlou por temer se engasgar e sufocar devido à mordaça.

Naquela manhã, seu coração estava tomado de ódio após receber seus dois visitantes sedentos. Queria vingança, mas precisava convencer Gabhar de sua utilidade, pois somente ele teria o poder de lhe restaurar o prestígio e fazê-la ocupar novamente a posição de rainha. Concentrou-se mais uma vez e clamou pelo Governador de Wicnion, rei absoluto de Tartharius, senhor do Castelo de Chabon, mas nada aconteceu. – Pense, Zerda, pense. – Ela disse a si mesma. – Como fazer sua mensagem chegar a Gabhar?

Subitamente, ocorreu-lhe que há tempos atrás, aprendera um feitiço para transformar espíritos em escravos, mas por uma superstição, preferiu não testar a eficácia da fórmula, deixando para usá-la somente em caso de necessidade, e era óbvio que esse momento chegara. A bruxaria se chamava "espírito plantado" e consistia em retirar do indivíduo, ainda vivo, uma parte do corpo que seria enterrada em algum lugar desconhecido dele. Se isso fosse feito após a sua morte, ele saberia onde a parte havia sido enterrada e o feitiço não funcionaria. Em seguida, era criado um selo de sangue, onde outra parte menor seria removida, então, o algoz deveria transformar esse pequeno "troféu" em amuleto, para só então matar sua vítima, cujo espírito ficaria preso a Wicnion, bastando ao dominador colocar um pouco do próprio sangue em contato com o amuleto para invocá-lo.

A Rainha Zerda sorriu e se lembrou do dente de ouro que havia arrancado de sua primeira vítima para colocá-lo na própria boca e do dedo mindinho da segunda vítima, que agora estava atravessado em sua orelha como um brinco feito de osso. Ela sabia que seria doloroso conseguir que seu sangue tocasse esses objetos, mas era a única forma de chegar a Gabhar. De mãos acorrentadas à cabeceira da cama, não seria fácil alcançar a própria orelha, então, a rainha subiu o corpo o mais que pôde e forçou as mãos nos braceletes de ferro. Logo, seus punhos ficaram feridos e começaram a sangrar, mas a dor era irrelevante. Prendendo a respiração, ela se alongou ao máximo, até que a ponta de sua unha agarrou a pequenina argola de osso e de um único gesto, a rainha arrancou-a, tomando cuidado para que não caísse. Aguardou um pouco e imaginando que as gotículas de sangue já tivessem brotado na orelha rasgada, ela encostou a argola e mentalizou as palavras de invocação, exigindo que aquele espírito aparecesse imediatamente, pois dali em diante ele seria seu servo.

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