Capítulo 10 - Os deuses choram

19 2 0
                                    

Os deuses choram

Lentamente, os dias iam se passando e os hábitos e costumes de cada espécie começavam a se misturar. A severidade dos dragões foi primordial na adaptação e adequação das leis, assim como a gentileza das fadas. As rusgas eram contidas logo no início e uma prisão improvisada havia sido criada para impedir que o caos se instalasse na aldeia. As punições eram quase sempre associadas a trabalhos comunitários, mas casos de assassinato implicavam em pena de morte. O banimento estava fora de cogitação e ninguém saía da aldeia sem um bilhete de autorização contendo as marcas de todos os líderes. Até mesmo as sentinelas e os guerreiros designados para protegerem a área externa eram obrigados a apresentar um na troca de turno.

Um novo conselho havia sido formado com representantes de todas as aldeias reunidas. Os dragões designaram seu líder Moghes e Hei Yu, uma dragão fêmea de couraça negra que cuidava da vigilância externa do Vale das Montanhas Escarpadas; as fadas mantiveram a sacerdotisa Prie e sua primeira auxiliar Erminea como conselheiras, mas incluíram a pequena Calina que, apesar de muito jovem, demonstrava disposição para lutar pela liberdade de todas as aldeias; os rebelados indicaram Lev Barbarus, Malah Lavika e o homem de branco, Immutef, para representá-los; e os humanos tiveram um pouco de dificuldade em definir novos conselheiros, devido à resistência dos anciãos, mas a aldeia foi unânime em defender a presença dos líderes Eik e Vetus e, principalmente, de Marianna, entre aqueles que deveriam falar pela espécie. Abdias havia sido mencionado também, mas quatro representantes humanos seria demais e o rapaz, sem saber que quase ganhara assento no conselho, passava os dias ensinando o dialeto chenevolu a Valente.

A aldeia era cortada por um rio que se formava a partir da queda da Duas Faces e as espécies se distribuíram por ambas as margens, demandando a construção de pontes, inexistentes até então, uma vez que para dragões e fadas bastava sobrevoá-lo. O ponto central da aldeia era marcado por uma grande árvore de Rowan, com mais de dez metros de altura. Lá estavam os assentos dos conselheiros, que revezavam seus lugares sempre que precisavam ocupá-los. Todos tinham consciência do quanto a vaidade e o orgulho podiam corromper o espírito e fazer desmoronar a frangível aliança entre as espécies, por isso, humildade e despojamento eram os melhores exemplos que os líderes e conselheiros poderiam oferecer aos seus aldeões.

Todas as aldeias haviam sofrido baixas, mas os humanos, apesar de ainda estarem em maior número, carregavam a dor de terem perdido dois terços de suas crianças durante o ataque dos lobos. Quando Marianna chegou à Aldeia dos Dragões e das Fadas, trazendo consigo humanos e rebelados, houve comoção por parte de seus seguidores ao saberem que o Salvador se encontrava ali, protegido de qualquer ameaça, enquanto seus filhos tinham sido assassinados de forma cruel, quando era por ele que os lobos procuravam. Para resguardá-lo de alguma vingança movida pela raiva e ressentimento, Moghes sugeriu que a criança permanecesse com ele, mas Marianna não permitiu. Ela agradeceu a oferta, mas levou o filho para morar com ela e Eik em uma tenda, recusando-se a ficar um dia a mais afastada dele. Logo, Marianna percebeu a fragilidade da situação, quando acordou certa madrugada e viu um homem de pé, observando Tedros dormir. Expulsou-o da tenda com sua adaga, tendo o cuidado de não acordar Eik, pois sabia que seu primeiro impulso seria matar o aldeão e isso poderia trazer sérias complicações. Na manhã seguinte, ela foi exigir de Moghes uma solução, mas foi Prie quem apontou o caminho que deveriam seguir: a partir daquela data, qualquer aldeão estava proibido de se aproximar de Tedros, qualquer que fosse o motivo alegado; o não cumprimento dessa ordem implicaria em prisão. Satisfeitos com a decisão tomada, Moghes iria providenciar o aviso para expô-lo no tronco da árvore de Rowan, mas naquela noite, quando ele, Prie e Marianna se dirigiam ao local, observaram de longe que havia uma grande multidão em volta dele. Ao se aproximarem, encontraram Tedros sentado sob a sombra da árvore, acompanhado por Aura e Lokele. Ele falava sobre o poder da esperança, e sua pouca idade não comprometia a atenção que os aldeões lhe davam. Mesmo assim, Moghes afastou-os para que Marianna pudesse passar, mas para sua surpresa e dos demais Tedros olhou para eles e para o aviso que Prie segurava enquanto adejava acima de suas cabeças e sorriu:

O Portal de Anaya - Livro 3 - A evoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora