Capítulo 20 - Lembranças

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Não conheci Jamille demasiado, mas sei que ela era uma ótima mãe. Mesmo sendo muito nova, certas memórias nunca se vão, ou pensei que nunca iriam. Nunca me lembrei de nenhum detalhe de minha infância, mas agora ela vem como uma onda de lembranças, e isso, mais do que nunca é extremamente estranho.

Jamille tinha seu jeito simples de viver. Como qualquer outra mãe ela sempre se preocupava com a filha ou com as filhas, no caso.

Mesmo Joey não sendo seu filho biológico ela também se importava com ele. Recordo-me agora que todas as noites ela beijava nossas testas e dizia que nos amava. Não sei como, mas não me lembrava de Alana.

Nos éramos muito próximas quando pequenas, mas agora que crescemos estamos separadas enquanto ela mora com um verdadeiro assassino. Não sei como alguém é capaz de matar sua própria esposa. Não sei como pudemos morar na mesma casa por tantos anos. Não sei como Alana é tratada na casa de Michael. Não sei se ela é feliz. E tenho certeza que ela merece isso. Felicidade. Na verdade todos merecemos, ou imagino que sim.

Michael sempre dizia que qualquer um, mesmo tendo feito um grande mau, merece uma segunda chance. Merece perdão. Merece amor, porém agora penso nisso mais do que nunca. Nem todos merecem realmente uma segunda chance.

Pingos finos de chuva caem sobre meus braços nus. Não sinto medo. Sinto dor. Não sinto raiva. Sinto ódio. Adrenalina e desejo de vingança correm por minhas veias, corroendo aos poucos minha razão e lógica. Minha mente presa em correntes se soltou, deixando a dor de lado, quer correr. Ser livre.

A chuva ganha mais força e poder, mas não sinto frio, na verdade me sinto quente, queimando por dentro. Raiva. Ego. Ódio. Vingança. Pingam de dentro de mim, escorregando por entre meus dedos finos, seguindo seu caminho para a terra.

Os pingos de chuva ganham velocidade e gradativamente ficam mais pesados, minhas roupas ficam pesadas, porém não dou importância. O que importa é chegar até meu destino. Começo a correr, as pegadas ficam gravadas na lama assim como a dor e a raiva estão estampadas em meu rosto.

Os portões estão logo a frente, não tardo a alcançá-los. Paro. Observo o metal que aos poucos parece estar se enferrujando o que provavelmente, futuramente irá assustar a maioria dos visitantes. Uma cerca marrom, aparentemente em bom estado cerca todo o território. Para dizer a verdade aparentaria ser mais um jardim do que um mausoléu, se não fosse pela grama estar tão desgastada, pelo tempo e pela chuva.

A grama agora é uma camada de terra barrenta assustadora, que parece ter o poder de te chupar para baixo da terra, obrigando-o a nunca mais ver a luz do Sol, mas as vezes isso é o que mais queremos. Se esconder. Se enterrar. Esperar até que o pior passe, mas o que muitas vezes não sabemos é que os problemas não passam como o vento, que vem e vai embora. Não, eles se alojam na sala de espera de nosso coração esperando o momento certo de entrar e permanecer por lá para sempre.

E é por isso que precisamos de forças, para expulsa-lo antes que demos a chance de ele ganhar um quarto em nosso coração, e todos sabem que não se podemos vencer os problemas sem ao menos tentar, eles não vão embora de livre espontânea vontade. Se nos escondermos só daremos uma outra chance de os problemas ganharem mais poder e crescerem ainda mais.

Temos que lutar contra a tentação de se esconder, pois assim não estaremos nos livrando, estaremos atraindo mais problemas e assim nos permitindo ficar atolados nos nossos próprios problemas sem conseguir seguir em frente.

Finalmente crio coragem para entrar no cemitério. Bancos de madeira estavam dispostos por todo o trajeto. A lama já permanece na altura de meu tornozelo, sujando quase por completo meus pés expostos.

Andando mais um pouco vejo várias lápides, quebradas, desgastadas ou sujas pela exposição do clima e do tempo, algumas com flores coloridas e vivas; mesmo na tempestade e outras vazias ou simplesmente com restos mortos do que, o que um dia já foi uma planta.

Ando lentamente procurando pelo nome específico, de alguém que amo. E então eu vejo. A lápide não poderia estar mais bem cuidada. Flores coloridas estão em toda sua volta, a pedra da lápide não está maltratada, pelo contrário está tão limpa e parece tão nova, que até mesmo dá a sensação de frescor.

E então tudo o que eu sentia minutos antes se esvai e deixa lugar a saudade. Ao amor. A felicidade. Todo o ódio, a raiva e a dor se vão. E então me sinto mais conectada do que nunca.

Meus joelhos vão de encontro ao chão e sinto a terra úmida em minha pele.

- Olá mãe - digo, sentindo meu coração ser abraçado por um amor invisível, porém presente.

- E-eu descobri a verdade sobre Michael, mãe. Descobri o que ele fez, o que ele fez com você - minhas lágrimas se misturam com as gotas de chuva.

- Como alguém é capaz de fazer isso com a pessoa que ama? Como? - fungo - Como eu nunca descobri isso antes? - observo a lápide bem cuidada com compaixão.

- Eu sinto tanto a sua falta, mãe. Sinto tanta saudade - dou um pequeno sorriso - Eu preciso de você. Sempre precisei de você - abaixo a cabeça - Me desculpe por não vir te visitar, eu não achei que iria aguentar, mas vejo que alguém não se esqueceu de você - sorrio, pensando no amor que Joey deve ter por mamãe - Me perdoe. Sempre saiba que mesmo não estando ao meu lado eu irei amar você. Para sempre.

Deposito minha pequena flor, ao lado das de Joey e sorrio imaginando como minha vida seria se eu fosse uma flor. Tão pequena e delicada, mas capaz de alegrar e iluminar um coração, cheia de felicidade até o momento em que carinho me faltasse e então chegasse o momento de minha morte.

...

- O que aconteceu com seu vestido, May? Quer dizer, o que aconteceu com você? - Joey perguntou assim que cheguei em casa.

- Joey, podemos conversar depois? Obrigada - Pergunto subindo as escadas, porém nem espero sua resposta e me dirijo ao banheiro. Retiro meu vestido pesado por conta da água e do barro e entro na banheira. Todas as vezes que passo por alguma emoção muito forte, uma das coisas que me acalma é tomar um banho bem demorado; e é isso que pretendo fazer.

Logo após horas imersa em água quente e relaxante saio troco-me e vou para o quarto, certa de que preciso ler e escutar música. Algo que também me deixa mais tranquila, me fazendo esquecer meus próprios problemas temporariamente.

Deito-me em minha cama e cubro-me com o cobertor feito por minha mãe. Encaro a capa do livro que pretendo ler e estendo meu braço para alcançar meu fone perto de minha mesinha de canto.

Logo que o alcanço, desenrolo o ninho de fios embolados e boto-os em meus ouvidos, um ritmo começa a soar baixinho. Abro o livro, porém me distraio. Com os pensamentos longe, fecho o livro e os olhos.

O que está acontecendo comigo?

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Finalmente! Meses depois finalmente me fluiu a inspiração e consegui escrever. Torço para que tenham gostado. Beijos! PS: Agora estou de férias! Vivaa!

Eu

















A Nova EscolhidaOnde histórias criam vida. Descubra agora