Natália POV
O rumo da minha vida mudou há dezoito anos atrás, quando a minha mãe regressou de uma longa estadia em Moçambique comigo nos braços e me apresentou pela primeira vez a toda a minha família.
De acordo com o meu irmão, que na altura tinha cinco anos, todos se reuniram num banquete enorme e cheio de comida, realizado na herdade dos meus avós em Espanha, e celebraram o nascimento da mais jovem Rendhal.
O meu avô paterno, pai do meu pai, era na altura quem dirigia a Sociedade e quem reparou em algo em mim que era diferente e que mais ninguém havia notado. Esse detalhe era pouco visível na altura, pelo menos não tanto como agora, e deixou todos os meus familiares chocados.
Para poder explicar totalmente a importância dessa característica física, teria que voltar à história da criação da Sociedade de Assassinos e embarcar numa longa narração de mitos egípcios e a sua influência no aparecimento da primeira Sociedade.
De forma simplificada, quem nascesse com olhos bicolores, principalmente de cores claras, era considerado mental e espiritualmente superior aos restantes assassinos e, por isso, deveria competer-lhe as tarefas mais importantes, entre elas a de dirigir a Sociedade inteira.
Durante toda a infância, os meus tios e avós trataram-me melhor que o meu irmão e os meus primos, por saberem que era a primeira vez na Sociedade dos tempos modernos que um assassino nascia com aquela condição raríssima.
Na altura, o meu avô era quem dirigia a SIAT, porém ao reformar-se da profissão de assassino teve que dar o seu lugar a outro, e a incerteza quanto ao meu futuro cresceu, pois era bem provável que esse novo representante anulasse essa lei assim que tivesse conhecimento da minha situação.
Na escola e em todas as situações que não estivesse em família, tinha que usar uma lente ou óculos escuros, de forma a que mais ninguém soubesse.
De todo o modo, eu e o meu irmão continuámos a estudar normalmente, os meus pais continuaram a trabalhar, e o meu avô nunca deixou de insistir que eu era a única e verdadeira herdeira de algo que agora repugno e anseio destruir.
A Maria está certa, o que significa que o pai do Pietro, ao ver os meus olhos, compreendeu quem eu era, o que é estranho, pois isto é algo que só um genuíno assassino deveria saber.
Ou então mais provável é que ele tenha contactado os seus informadores dentro da SIAT, que imediatamente o fizeram saber da existência deste mito.
Não será de estranhar que o Pietro comece a desconfiar mais de mim depois desta revelação, já que ninguém esperaria que a herdeira de algo tão grande estivesse empenhada na destruição do que deveria herdar. Porém, esta é a verdade.
Duas pancadas na porta deixam-me a tremer, e faço de conta que estou a dormir e que nunca saí do quarto para ir até à mansão.
— Natália? — pronuncia em voz baixa o Pietro ao entrar no quarto.
— Hum.
— Espero não a ter acordado.
— É tarde demais — digo ao ligar o candeeiro de mesa e a coçar os olhos. — A viagem correu bem?
— Sim, dentro da normalidade. Já tem mais pistas do que aconteceu com o meu pai?
— Infelizmente não.
— Essa situação de certo que em breve estará resolvida.
Ele avança pelo quarto e senta-se ao meu lado, e ao olhar para ele de perto noto o cansaço e a falta de sono.
— Devia ir descansar — digo. — Teve um dia longo.
— Prometi que passava por aqui.
— Bem, e cumpriu.
Ele olha por uns segundos para a janela em frente.
— Tenho uma proposta para si.
— Diga. — Estremeço ao pensar nas perguntas que ele tem para me fazer.
— A Natália está a precisar de umas férias.
— Na realidade acho que nunca estive tão bem; esta mansão é melhor do que qualquer hotel que já estive.
— Algo a sério. Diga-me, alguma vez visitou a Tunísia?
— Não...
Mas estive lá perto quando tive a missão com os meus pais de derrubar um cartel argelino.
— Tal como suspeitei — diz ao olhar a minha reação enquanto tira do bolso dois bilhetes de avião.
— Isso... é...
— Sim.
Pego nos bilhetes e confirmo que são verdadeiros.
— Partimos amanhã.
— Mas... já?
— Não há tempo a perder — diz com um sorriso. — Sairemos da mansão por volta das quatro da tarde.
— Wow — murmuro. — E vai ser quanto tempo?
— Tanto quanto quisermos. — Os nossos olhos fixam-se durante alguns segundos, motivados pela minha descrença. Ele ri e continua: — Coisas de um Santoro.
— Eu... eu não sei como agradecer.
— A sua presença já será suficiente.
— Nunca fui de férias — digo imediatamente, quase sem pensar.
— Verdade?
— Sim, quando ficávamos em hotéis e pensões nunca tínhamos por objetivo relaxar ou conhecer as cidades.
— Bem, há uma primeira vez para tudo.
— E como irá fazer com o meu passaporte?
— Não tem nenhum?
— Tenho, porém com uma nacionalidade falsa e um nome falso.
— Em princípio irá resultar.
— Estou tão feliz — digo cheia de entusiasmo. — Vou de férias!
— Correção: vamos de férias.
Controlo-me de forma a que não me atire para cima dele para o abraçar e agradecer quantas vezes forem possíveis. Contudo, lembro-me de um pormenor:
— E a Sabrina?
— A Sabrina é... digamos... passado.
— Mas as férias correram tão bem.
Ele vira-se para mim de forma séria, porém responde num sorriso:
— Não me diga que andou a ler revistas.
— Não, juro! Foram as empregadas...
— Nada é o que parece. As coisas estão prestes a mudar.
— Para melhor, espero.
— Para muito melhor — responde num murmúrio e levanta-se até à porta.
Antes de sair, diz uma última coisa:
— Irei alertar uma das empregadas para que arrume os seus pertences depois do almoço. Boa noite, Natália.
— Boa noite, Pietro — digo, mas ele não chega a ouvir.
E agora, deitada na cama, penso no quanto desrespeitei todos os mandamentos de um assassino, e uma mistura de novos pensamentos invadem-se, assim como várias emoções que nunca senti.
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Implacável: A Assassina Inocente
ActionNatália Rendhal é uma jovem adulta treinada desde criança para ser uma assassina capaz de evitar qualquer emoção que prejudique o seu trabalho. No entanto, uma recente encomenda porá à prova tudo o que deveria ter aprendido a controlar. Pietro Santo...