Capítulo 6

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A senhora que me levou ali entretanto regressou e mostrou-me um pouco do exterior da mansão, que está dividida em três partes. A parte em que me deixaram é a mais pequena e é onde ficam os empregados. Mesmo assim, está tão decorada como as outras.

Aproveitei para passar por uma casa de banho para retirar toda a maquilhagem e soltar o cabelo, assim como lavar a cara e as mãos.

Apresentou-se como sendo Eleanora e responsável por encaminhar e organizar as empregadas de limpeza e distribuí-las pelas divisões. Diria que tem à volta de quarenta anos e é baixinha, de cabelo aloirado, liso e apanhado num coque muito bem feito.

Ela leva-me até ao quintal onde posso ver todo o esplendor da mansão principal, onde dorme o empresário Santoro, a mulher e os dois filhos, o Pietro e a irmã mais nova, Maria. Vejo também a piscina e o bar, que estão vazios.

A parte em que estou tem dois andares, onde ficam os quartos dos empregados, enquanto que o resto-chão é a sala de utensílios, de lazer e cozinha. A de utensílios tem objetos como cortadores de relva, filtros da piscina, garrafas de cloro, entre outros. Já a cozinha é onde eles comem, e a sala de lazer onde podem passar o tempo.

— É nova aqui? — pergunta-me uma cozinheira com quem nos cruzamos.

— Sim.

— Prazer, sou a Nina.

— Prazer, sou a Natália — respondo. Já que ele não sabe que este é o meu nome verdadeiro, posso utilizá-lo sem problema.

A cozinheira é um pouco mais velha que eu, mas não diria ter mais de trinta anos. É alta, de cabelo curto, muito escuro e ondulado, e com um rosto redondo e um sorriso simpático. Os olhos azuis, quase cinzentos, dão-lhe um ar mais jovem e amigável.

— Em que é que irá trabalhar? — pergunta-me rapidamente Nina.

— Hum, para ser sincera não sei...

— Como é que não sabe? — Surpreende-se Eleanora, que até ao momento não me tinha feito essa pergunta.

— É, não sei. Há algo que precisam que eu faça?

— Devia perguntar à patroa Santoro — sugere Eleonora.

— É que tecnicamente não fui contratada para nada.

— Pode ser que a informem durante o dia de hoje — conclui Nina. — Já está na hora de voltarmos às nossas posições, mas deveremos regressar aqui perto da hora de almoço.

— Exato, encontramos-nos dentro de algumas horas — diz Eleonora. — Até já, Natália.

— Até já — despeço-me.

Por todos os empregados estarem na neste momento na mansão principal, não tenho ninguém a quem fazer perguntas sobre a família Santoro, portanto decido ir até a um computador na sala de lazer passar o tempo e realizar algumas pesquisas.

Acedo a um website de mapas virtuais e o computador indica-me que ainda estou em Roma, só um pouco mais a sul que o hotel em que estávamos e fora da zona urbana.

O meu estômago começa a roncar de não ter comido nada deste ontem à noite e vou até ao frigorífico da cozinha buscar um iogurte líquido.

Continuo a minha pesquisa mas desta vez à família Santoro. Pietro Santoro não me leva a absolutamente nada de relevante e sem o primeiro nome do empresário Santoro o que procuro é demasiado vago.

Passo a restante manhã sozinha naquelas divisões a pensar na situação em que estou. Pelo que vi, a mansão tem algumas câmaras de vigilância, o que me dificulta imenso o trabalho de escapar. Para além disso, não tenho para onde ir.

Perto das duas da tarde alguns empregados finalmente regressam para o almoço.

— Então, querida, ainda não lhe disseram nada? — pergunta-me Eleanora ao abrir um tupperware com comida já feita.

— Ainda não — respondo.

Para além de nós a três, eu, Nina e Eleanora, estão na cozinha, ou talvez faça mais sentido chamar refeitório, nove empregados, dois deles seguranças, três jardinheiros e os restantes empregadas e cozinheiras.

— Não há de faltar muito. Provavelmente estão a dar-lhe algum tempo para se habituar — conclui Nina.

Eleanora distribui o almoço pelos três pratos, uma deliciosa salada de massa com atum, e sentamo-nos numa mesa juntas depois de pegarmos os talheres e os copos.

— Agora que o filho do chefe chegou não nos faltará trabalho nas próximas sextas à noite — diz Eleanora.

— Então? — pergunto.

— Ele não se cansa de fazer festas — desabafa Nina. — Até quando é os aniversários dos amigos oferece o quintal para a ocasião.

— Quem fica pior nessas situações ainda é o Orazio — acrescenta Eleanora.

— Quem é o Orazio? — pergunto.

— É o homem da piscina que também faz trabalhos de jardineiro — responde Nina.

— Na maior parte das vezes tratamos-o por Faz-tudo — diz Eleanora.

— O coitado tem que limpar a água toda da piscina depois dos convidados se irem embora — diz Nina.

— Esqueci-me completamente de lhe perguntar, mas o que queria o menino Santoro hoje de manhã? — pergunta-me Eleanora.

— Queria discutir algumas questões do contrato... — Minto. — Nada de mais.

— Hum, estou a ver.

— Já conhecia a família Santoro? — pergunta-me Nina.

— Não, nunca tinha ouvido falar.

— A sério? Isso é realmente surpreendente — comenta Nina. — É apenas uma das famílias mais importantes de Roma.

— Não fazia ideia — digo.

— O chefe é responsável pela gerência de vários hotéis no centro da cidade.

— E o filho? — pergunto espontaneamente.

— Não me diga que ficou interessada no menino... — diz Nina enquanto lança uns risinhos para Eleanora.

— Não, nada disso!

— De qualquer forma ele já está ocupado — diz Eleanora. — Mas isso não a impede de tentar.

Nina reage com uma gargalhada, e insisto que não estou interessada nessa proposta.

— O nosso tempo de almoço chegou ao fim — diz Nina ao despedir-se. — Por volta das sete  da noite o nosso turno deve acabar, por isso talvez nos encontremos novamente.

Despedimo-nos e volto para o quarto em que me deixaram inicialmente.

O vestido vermelho ainda está por cima da cama, como o deixei, e os sapatos encostados à porta. Apesar de só ter passado pouco mais de um dia desde que deixei os meus pais, já estou a morrer de saudades.

Lembro-me do meu irmão e das nossas brincadeiras tolas que os nossos pais tanto se queixavam. Lembro-me da minha mãe e do quanto os abraços dela eram reconfortantes, e por fim lembro-me do meu pai, que tanto me tentou ensinar a ser a melhor assassina possível.

Já deitada, penso nos erros que cometi e em como os podia ter evitado. Por mais que queira, não consigo voltar atrás e mudar o que fiz. Nunca pensei vir a dizer isto, mas falhei uma missão. E agora o meu trágico destino aproxima-se cada vez mais, de uma forma tão rápida e implacável que jamais serei capaz de o evitar.


Implacável: A Assassina InocenteOnde histórias criam vida. Descubra agora