Capítulo 1

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"Não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis."

René Descartes.


Ele corria desesperado, com a respiração ofegante e os pulmões queimando. Passo após passo, martelando o chão no mesmo ritmo frenético do coração, avançava alucinado mata adentro, perdido, mas sem a menor intenção de parar. Não era capaz de ouvir nada exceto a pulsação intensa nos seus ouvidos que até chegava a abafar o som da estranha floresta.

Fugia de algo nem sabia direito do que se tratava, até porque, naquela correria desenfreada, nem teria mais condições de saber se era seguido por alguma coisa ou alguém. Fugia de uma luta para entrar em outra, algo desesperador e assustador da qual não estava certo se sobreviveria e apenas o tempo, no futuro, poderia dizer. Naquele momento, tudo o que ouvia era o martelar hipnótico do sangue pulsando no corpo, ignorando a beleza exótica daquele bosque tranquilo e suave, imerso em uma penumbra azul-esverdeada provocada pelas copas das árvores um tanto bizarras. Trotava disparado com seus noventa quilos de ossos e músculos bem trabalhados, mas já um pouco sobrecarregados, operando em perfeita harmonia para o levar adiante, desviando-se com habilidade dos maiores obstáculos sem, contudo, lograr escapar de todos. Passou por um córrego raso e de uma água gelada que lhe trouxe algum alívio para os pés, deixando apenas as marcas dos sapatos nas margens. Não ouvia o canto harmonioso dos pássaros que abundavam naquela mata virgem e muito menos prestava atenção à flora, que era bem diferente do seu padrão, com árvores de troncos avermelhados e vegetação azul, às vezes nuances de tons esverdeados por serem desprovidas de clorofila. Pássaros exóticos, alguns com quatro asas e que voavam em todas as direções apressavam-se a subir o mais rápido que podiam para escaparem do estranho invasor cujo barulho assustava-os.

Igor parou de rompante, respirando desesperado, com os pulmões incendiando e o coração batendo descompassado. As suas vestes estavam irreconhecíveis, rasgadas em muitos lugares por conta das chibatadas involuntárias dos arbustos que lhe deixaram várias marcas na pele e alguns cortes por onde o sangue escorria, manchando as roupas já bastante maltratadas. Seu rosto transfigurava algo entre o choque e o terror e ele olhou em volta com firmeza e altivez sem que seus olhos cinzentos deixassem escapar nada, pois, apesar do desespero todo, aquela postura já vinha de berço. Notou que estava tudo tranquilo e não era perseguido, ao menos parecia não ser, mas o seu estado de choque embotava-lhe o raciocínio lógico.

Apressado, fez um gesto sutil com uma das mãos, como se abrisse uma cortina. A suave penumbra azulada do bosque foi abalada com uma luz solar intensa e amarela que vinha de um ponto bem à sua frente. Após a iluminação inexplicável, a imagem descortinou-se à medida que Igor abria mais aquele véu, revelando uma paisagem diferente porém de difícil visualização por conta da forte luminosidade. Parecia de fato que ele chegara ao fim de um mundo e abria a porta para outro. Seus olhos piscaram para se adaptarem às novas condições e, como se isso fosse normal, atravessou a estranha passagem, penetrando em outro lugar. Sem nem mesmo olhar, virou a mão para trás e moveu-a de cima para baixo, parecendo que fechava um zíper ao contrário. A paisagem do bosque azul desapareceu e ele agora estava em um local descampado e muito luminoso, reiniciando de imediato a sua jornada descontrolada.

Apesar do sol bem forte daquele momento, a temperatura era um tanto baixa, quase fria. À sua direita, o mar rebentava a algumas dezenas de metros, mas ele correu na direção oposta, embrenhando-se outra vez em uma floresta que subia com um leve aclive que se acentuava aos poucos. Igor já não sentia mais nada, em especial as pernas.

Não sabia por quanto tempo correu, parecendo que foram horas; mas, aos poucos, a sua corrida desenfreada tornou-se num trotar e, meia hora depois, um arrastar de pés cada vez mais lento até que avistou uma cabana e tentou chegar a ela. Faltavam ainda uns bons trinta metros quando o corpo, exaurido de todas as forças, caiu ao solo sem qualquer barulho mais intenso.

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