Capítulo 17

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"O amor não se vê com os olhos, mas com o coração."

William Shakespeare.


Há muito que Eduarda tinha ficado livre da influência do seu algoz, mas precisava de fingir porque ele era demasiado poderoso e perigoso. Paciente, treinava a sua magia sozinha, em segredo, aprimorando os dons do jeito que podia e conseguia. Descobriu logo no início que Samuel jogava nela uma toxina violenta que a mataria se ficasse muito tempo longe da sua influência, momentos em que a mantinha neutra.

Igor tivera o trabalho de a ensinar a controlar o próprio corpo e, graças a isso, ela eliminava o veneno com facilidade, mas também não deixava ninguém sequer desconfiar disso. Quando foram a Porto Alegre, Samuel autorizou e Eduarda aproveitou para pegar umas coisas suas na casa dos pais, deixando no quarto uma mensagem secreta com o velho jogo de runas, usando os seus poderes para transformar as peças para o alfabeto celta, esperando que ele tivesse a ideia de ir lá. Ela tinha uma confiança irrestrita no noivo e sabia que ele não mediria esforços para libertá-la mais uma vez, mantendo-se paciente e sempre treinando com afinco.

Quanto mais o tempo passava, mais preocupava ficava porque tinha a certeza que algo aconteceu a Igor para ele não ter aparecido até ao momento. Samuel disse, certa vez, que ele estava lutando contra os próprios fantasmas do passado e ela não entendeu, mas isso significava que alguma coisa lhe aconteceu para demorar tanto. Apesar disso, não perdia a fé e sempre treinava, sentindo que seus poderes aumentavam todos os dias e muito.

Samuel viajava bastante e infiltrava-se com toda a subtileza no crime organizado e na política, especializando-se em corromper pessoas para os seus propósitos. Quanto mais sucesso obtinha nisso, mais felicidade aparentava e mais nojo despertava na falsa esposa.

Naquele dia, estavam no Rio de Janeiro, em um hotel luxuoso da Barra da Tijuca que ficava de frente para o mar. Ele tinha saído para um encontro com um senador corrupto que vinha atraindo para seus negócios, muitos deles de natureza bem duvidosa, e ela sentia-se bastante entediada porque fora proibida de ir para a rua. Desde a sua fuga com Igor, o demônio tomou providências pesadas e o único lugar onde podia ficar a sós era no seu quarto, porque ele também não queria que alguém se aproveitasse da mulher.

Trancada no aposento, brincava com os seus poderes realizando as mais diversas experiências, mas até isso acabava cansando alguém ao fim de algum tempo, ainda mais quando se sentia em cativeiro, como era o seu caso.

Triste, lembrou-se do noivo e da cabana na floresta do cânion, quando estava livre e com o homem da sua vida, os últimos dias decentes e gostosos que teve. Sentia uma grande preocupação por causa dele, porque tinha a certeza que, se não tivesse acontecido alguma coisa grave, ele já teria tentado resgatá-la. O que mais temia era que estivesse morto, mas tentava evitar pensar nisso, embora a sua fé ficasse cada vez mais abalada com o passar dos dias.

A saudade estava tão forte que tentou imaginar cada detalhe do lugar, lembrando os poucos dias de alegria que teve ao ser salva por ele há poucos meses. Era como se sentisse na memória o vento fresco do fim do dia e o cheiro da floresta, enquanto ouvia o cantar dos pássaros ritmado com o farfalhar das folhas à brisa. Junto com tudo isso, imaginava Igor ao seu lado, cuidando de si com carinho ao mesmo tempo que lhe estendia a tradicional rosa vermelha acompanhada do seu sorriso irresistível.

Sem explicação aparente, Eduarda começou a ouvir um barulho incompatível com o quarto onde estava porque era o barulho de pássaros e vento soprando nas árvores de uma floresta, sem falar no cheiro peculiar do mato, tal como ela vinha imaginando.

Olhou na direção dos ruídos e viu uma abertura na parede. A sua primeira reação foi um susto enorme, quase pânico, pois julgou que o prédio ia ruir e ela estava no oitavo andar. Logo depois, acalmou-se porque o que via na rachadura da parede não era o mar para onde ela estava virada. Arregalou os olhos e aproximou-se mais, observando uma floresta e a cabana onde esteve quando fugiu. Colocou ambas as mãos no meio da abertura, afastando-as de modo a alargar mais a passagem e descobrindo que isso ocorria de fato. Quando se deu conta que abriu um portal do mesmo jeito que Igor fazia, não pensou duas vezes e atravessou-o para o outro lado, fechando-o em seguida da mesma forma que faria se tivesse cerrado as cortinas de uma janela.

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