Capítulo 8

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Parei à porta de casa do meu excelentíssimo vizinho sr. sem cérebro. Era de facto uma casa bonita e simpática, parecida com a minha e com todas as outras deste bairro. Respirei fundo após bater à porta duas vezes, tentando acalmar o meu nervosismo pois não sabia o que poderia encontrar lá dentro. Kyle poderia ser um serial killer e ter um cadáver já em decomposição debaixo da cama e outro dentro do frigorífico. Nunca se sabe... Eu mal conhecia o rapaz, aliás não o conhecia, para ser sincera, portanto tenho todas as razões para desconfiar dele.

Quem abriu a porta foi uma senhora que presumi ser a mãe do mostrengo desmiolado, por razões óbvias. Ela ficou surpreendida por me ver lá, o que era normal especialmente por nunca me ter visto na vida.

- Olá, sou a Kira, colega do Kyle. Mudei-me para cá há uns dias, vivo ali ao lado - apresentei-me, apontando para a minha casa.

- Sou sempre a última a saber as coisas - queixou-se - Entra, Kira, chamo-me Evelyn. Fica à vontade. KYLEEE! - grita ela com toda as suas forças aos meus ouvidos o que quase fez com que os meus tímpanos rebentássem.

Ele pareceu surpreendido quando me viu o que foi ridículo porque eu lhe disse que ia passar por lá.

- Tu disseste que vinhas cá às 7h e são sete menos um quarto - garantiu olhando para o seu relógio de pulso - Vai dar uma volta e aparece às sete, vai conhecer a cidade. Adeuzinho - despachou-me ele empurrando-me para a saída e a mãe dele deu-lhe uma leve palmada nas costas.

- Não sejas parvo, não trates assim a tua amiga - ralhou ela de uma forma bastante cómica.

- Ela não é minha amiga - contrariou o desmiolado, enquanto se esforçava para controlar os nervos evidentes respirando fundo. Já eu continha o riso mas a cara de cordeirinho chateado dele era das coisas mais hilariantes que eu já tinha visto.

- Oh pensava que já tinha feito cá um amigo, pelos vistos enganei-me - menti fazendo uma cara triste e estranhamente credível. Devia pensar em seguir carreira de atriz, eu tinha realmente muito jeito .

- Kyle, sê simpático. Ela é nova cá, vê se a ajudas a adaptar-se - exigiu a Sr. Spencer de forma educada e ele bufou ainda muito irritado.

- Mãe, ela está a fingir! Ela é uma manipuladora. Ela vendeu a alma ao diabo - fingi-me ofendida com aquela acusação mas na verdade estava a planear matá-lo por ter descoberto o meu pacto com Satanás. Podia sacrificá-lo em troca de uma caixa de alfinetes porque, se pensarem bem, ele não vale muito mais que isso - Anda lá vamos despachar isto - empurrou-me, enquanto eu protestava por um pouco de cortesia, em direção ao seu quarto típico de um adolescente heterossexual cheio de posters de bandas que eu adorava portanto pensei em roubá-los assim que o enviasse para o submundo governado pelo meu amigo Hades.

- Posso levar esse poster? - perguntei saltitando na cama dele.

- Qual?

- Hm... Não sei. Todos?! - disse como se fosse óbvio e ele bateu com a palma da mão na sua testa, impaciente.

- Não?! - respondeu com a mesma ironia que eu e fiz-lhe uma careta - Podes parar de ser, como é que hei de dizer, tu por uns momentos?

- Tens medo de te apaixonar? Não te preocupes não és o primeiro. Vou tentar não ser tão mázinha e partir-te o coração com amor e carinho... e com um machado, se necessário - sorri.

- Não. É só para ver se resisto à tentação de te matar - suspirou e eu adotei uma expressão séria levantando a sobrancelha esquerda.

- Se alguém vai morrer hoje és tu, se não paras de ser chato - disse e de seguida voltei a saltitar alegremente na cama porque o colchão de Kyle era bastante confortável para o meu rabinho sagrado.

- Podemos começar? - perguntou o rafeiro e eu olhei para ele confusa sem saber de que raio estaria ele a falar. Então Kyle bateu outra vez com a mão na sua cara de texugo gordo mas desta vez com mais força e fiquei feliz ao vê-lo sofrer. Fiquei mais feliz ainda quando percebi que era eu a causadora do seu sofrimento. Estava a ser bonito vê-lo a querer desistir da vida à minha frente - Estava a falar das coisas da escola, aquilo que tu cá vieste fazer - lembrou-me como se fosse eu o australopiteco ali e eu fiquei com vontade de o sufocar com a almofada e depois fazer uma sesta com a mesma porque estava com muito sono.

- Estás à espera do quê, otário?

Finalmente falamos de cenas escolares que não me interessavam minimamente. Pelo contrário, só serviam para desgastar os meus pobres miolos, mas nunca a ponto de ficar como o otário que estava sentado ao meu lado. Visto que me distraia facilmente, Kyle tinha de interromper constantemente as suas explicações para pedir que lhe desse alguma atenção. Eu tentava, porque queria despachar aquilo para voltar para a minha caminha, mas Kyle era tão aborrecido que parte do meu cérebro já estava a dormir pelo que eu voltava a distrair-me com qualquer coisa insignificante.

- Pronto, acho que já está tudo - suspirou dando uma vista de olhos pelo seu caderno de Inglês e depois virou os seus olhos negros para mim sorrindo-me - Xauzinho.

- Ainda bem, se ficasse aqui muito mais tempo a tua doença mental... - fui interrompida pela Sra. Spencer que nos chamava.

Dirigimo-nos à cozinha, onde esta se encontrava. Perguntou-me se queria jantar lá e desta vez Kyle não reclamou porque já sabia que se o fizesse iria ser pior para ele.

Enquanto comíamos lasanha, Evelyn fazia-me daquelas perguntas típicas que se fazem a pessoas que se acabaram de mudar para o lado oposto do país.

- Eu não conheço bem a cidade visto que só cá estou desde sábado, mas já vi que é uma cidade bonita. Quando tiver algum tempo vou dar uma volta por aí.

- Acabei de ter uma excelente ideia: o meu filho querido podia levar-te a conhecer a cidade!

- Mãe, isso já é demais, não achas? - perguntou cansado. Não sei se era suposto ter pena do rapazinho naquele momento mas a verdade é que não tive nem um bocado.

- Claro que não! Tu conheces Bristol como a palma da tua mão e além disso não tens nada para fazer este fim de semana. Nunca sais com ninguém, estás sempre fechado no quarto a ver televisão e a comer. Daqui a nada em vez de andares, rebolas - lembrei-me, naquele momento, da minha mãe e dos seus sermões de 3 horas sobre as desvantagens da tecnologia e o benefício de dar uma volta com os amigos e apanhar ar puro.

- Está bem - cedeu ele mais facilmente do que eu pensava demonstrando que estava farto de lutar. O seu ar de aborrecimento provocava uma certa satisfação em mim.

- Fica combinando então - sorri e agradeci-lhes pelo jantar pronta para voltar para casa mais especificamente para a minha caminha aconchegante.

KiraOnde histórias criam vida. Descubra agora