Capítulo 14

55 7 0
                                    

O meu habitual mau humor matinal tirou férias naquela manhã; acordei tão bem disposta que nem me reconheci. Talvez o facto de ser sábado tivesse contribuído para isso, porém havia algo que me fazia questionar a minha sanidade mental: como podia estar tão feliz da vida se ia sair com Kyle? Sublinho que quando dizia "sair com Kyle" não era tipo um encontro porque isso seria total e completamente absurdo, mas sim sair com ele pelo facto da sua mãe o ter sugerido e eu apenas aceitar para o irritar na esperança de que ele se atirasse de uma ponte ou, melhor ainda, que eu o atirasse da ponte acidentalmente.

- Tens planos para hoje? - perguntou a minha mãe enquanto eu ingeria desalmadamente a comida antes presente no meu prato por ter um almoço em condições finalmente.

- Por acaso, sim, tenho. Vou com Kyle dar uma volta por Bristol - anunciei e ela olhou para mim incrédula por a) eu tencionar sair de casa enquanto podia ficar a dormir, b) eu tencionar conviver com humanos enquanto podia ficar a dormir ou por c) que inclui ambas as hipóteses anteriores.

- É só a cidade que ele te vai mostrar? - perguntou sorrindo maliciosamente e eu cuspi tudo que tinha na boca desta vez questionando a sanidade mental da minha progenitora e não a minha.

- Que nojo, mãe. Vá lá, isso era tão desnecessário - limpei-me com o guardanapo para não ficar com vestígios do meu quase vómito na cara.

- Não foi nesse sentido, Kira! Credo, estes jovens de hoje em dia têm umas mentes muito perversas - queixou-se falando para si mesma, fingindo-se perplexa pela minha reação, como se não quisesse dizer aquilo que realmente disse. Às vezes o facto de ter uma relação tão próxima com a minha mãe pode ser um pouquinho desagradável - Ele é giro não te censurava se gostasses dele.

- Estás a ouvir o que estás para aí a dizer? - a vontade de me enforcar estava a aumentar cada vez mais e a minha mãe parecia não querer saber porque continuava a dizer coisas sem sentido - Nós odiamo-nos. Ninguém quer saltar para cima de ninguém, menos se for numa tentativa de assassinato.

Às vezes perguntava-me a origem das ideias e teorias malucas da minha mãe mas depois lembro-me que o cérebro humano é um órgão terrivelmente espantoso.

********

Tocaram à campainha e eu, mesmo sendo ateia, rezei para que fosse o carteiro ou o senhor da pizza que apareceu misteriosamente sem que ninguém encomendasse nada. As minhas preces foram ignoradas talvez pelo facto de eu simplesmente não acreditar nos dogmas de qualquer religião.

Kyle usava uma t-shirt dos AC/DC, umas calças pretas e uma camisa de flanela azul. O seu cabelo, para não faltar à tradição, cobria-lhe os olhos e eu conti-me para não lhe questionar se conseguia ver alguma coisa.

- Lembras-te, certo? Eu fiquei de te levar a mostrar Bristol - disse antes que eu tivesse tido sequer oportunidade de abrir a boca. Ele não parecia feliz mas também não tinha aquele ar entediado habitual. Presenti que tinha coisas maquiavélicas em mente.

Assenti com a cabeça ele saiu da frente da porta para me deixar passar mas, antes de ir, gritei bem alto para que a minha mãe conseguisse ouvir, que me ia embora. Então fui o mais rápido possível para que ela não aparecesse e insinuasse novamente que eu e o rapaz mais estúpido que alguma vez tinha conhecido gostássemos um do outro.

Dirigimo-nos à paragem de autocarro mais próxima que ficava ao fundo da rua, visto que ainda nenhum de nós tinha carro, nem carta de condução sequer. O autocarro não tardou a chegar e nós ocupamos dois bancos na parte de trás. Aproveitei para colocar os fones nos ouvidos para ouvir a minha playlist porém tive de os retirar logo de seguida pois Kyle decidiu que era uma boa altura para iniciar uma conversa comigo.

- Vamos sair no Brandon Hill, é um parque que é provavelmente um dos meus sítios preferidos. Acho que também vais gostar - anunciou sorrindo. Era impressão minha ou ele estava a tentar ser simpático comigo? Tentei não olhá-lo duvidosa mas aquilo era estranho demais para que conseguisse esconder a minha desconfiança.

- O que foi? - perguntou confuso - Estás a olhar assim para mim porquê, Kira?

- Nada, nada - disse voltando o olhar de novo para a janela. Estava um dia bonito. As nuvens escuras preenchiam o céu e caiam algumas gostas de água de tempos em tempos.

- Agora vais dizer, não é? - disse, sorridente, começando a fazer-me cócegas (outra vez). Sendo aquele o meu ponto fraco, obviamente comecei a rir que nem uma estúpida no autocarro fazendo com que toda a gente olhásse para nós. Tentei pedir que parásse mas entre as risadas não consegui dizer nada a não ser palavrões. Quando já mal conseguia respirar, decidi que tinha de passar a outro plano e com alguma dificuldade agarrei o braço de Kyle e espetei-lhe as minhas presas fazendo-o soltar um guincho de dor pelo que as pessoas olharam ainda mais fixas e chocadas para nós.

- Nunca viram uma rapariga morder a um rapaz no autocarro porque ele lhe estava a fazer cócegas? - gritei e em seguida olhei para Kyle rindo-me descaramente do seu sofrimento.

- Tu mereceste.

- Eu mereci - admitiu olhando-me nos olhos.

No resto da viagem ele limitou-se a ser o meu guia turístico pessoal não renumerado e a informar-me sempre que passávamos por uma rua, monumento ou edifício importante. Já tínhamos passado o Castle Park e o Queen Square, dois jardins bonitos mas eu era suspeita porque eu adorava tudo o que eram jardins e plantinhas, e pouco depois íamos chegar ao nosso destino.

- Anda, chegamos ao Brandon Hill - ordenou Kyle puxando-me pelo braço e eu tentei não cair na tentação de o morder novamente.

Quando saímos, fiquei a apreciar a beleza daquele parque enquanto o vento fazia o meu cabelo esvoaçar de um lado para mas, como é óbvio, Kyle tinha de interromper aquele momento puxando-me para o outro lado da estrada e eu passei de protagonista de um videoclip de uma música indie deprimente para avestruz irritada.

- Larga-me! Quero rebolar na relva - gritei como uma criança de 5 anos a fazer um birra.

- Cala-te, doida. As pessoas estão a olhar para nós - avisou arregalando os olhos perante os meus berros - Já vais rebolar na relva - dizendo isto ele fez uma careta como se fosse uma ideia maluca. Se os cães podem, porque é que eu não hei de poder? - Primeiro temos de ir a um sítio.

Começamos a subir por umas ruas em direção à universidade e eu questionei-me se aquilo era um plano da minha avó para me convencer a, um dia, matricular-me numa universidade. Porque eu não tencionava continuar os estudos em solo universitário para tristeza da minha avó. Ela acha que só assim posso ter sucesso na vida mas eu discordo: para quê matar os meus neurónios com mais aulas se posso, assim que sair do secundário, começar a trabalhar naquilo que gosto e ganhar a vida a pintar?

Paramos junto a um prédio velho quase a cair aos bocados e eu olhei para Kyle desconfiada.

- Anda, eu sei que vais gostar.


~~~~~~~~~

Olá! Quero pedir-vos desculpa por esta demora mas comecei os testes e não consegui mesmo publicar. Mas já estou de volta, nem que seja só por um bocado.

Espero que gostem! Beijinhos

Mariana

KiraOnde histórias criam vida. Descubra agora