Capítulo 15

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Não confiava nem um pouco em desconhecidos (muito menos quando eles provavam ter um baixíssimo nível de sanidade mental) pelo que supostamente devia ter ficado alarmada quando Kyle me levou para a cave de um prédio velho e quase a cair. Mas a questão é que não fiquei. Talvez fosse o meu espírito aventureiro que estivesse curioso para ver onde o desmiolado me levava.

À medida que descíamos as escadas de cimento, uma melodia ia-se intensificando e pouco demorou para que eu reconhecesse a música de uma das maiores bandas de rock de sempre. Perguntei-me a mim mesma se ele me estava a levar a um bar ou uma discoteca, porque se fosse o caso fugia de lá a sete pés.

Ele guiou-me por um corredor estreito até que entramos numa sala escura, pelo que demorei a perceber que raio era aquilo. Finalmente comecei a ver estantes cheia de cds e vinis e por momentos pensei que tivesse morrido e ido para o céu porém era extremamente estranho uma pessoa como eu ir para o paraíso após a morte. Avistei um homem grandalhão de barba todo vestido de preto do outro lado do balcão. Quando nos pôs a vista em cima, sorriu e cumprimentou Kyle.

- Olá, James - cumprimentou de volta - Esta é a Kira, é nova aqui.

- Bem-vinda. Eu sou o James, infelizmente não sou o James Hetfield mas também sei cantar - eu ri perante a menção ao vocalista de uma banda que eu adorava, tentando parecer simpática - E o que estão a fazer por estes lados?

- Ele veio mostrar-me a cidade - informei antes que Kyle tivesse a oportunidade de o fazer tentado intervir na conversa.

- Sim, e lembrei-me que já não vinha cá há algum tempo e precisava mesmo de algumas coisas - continuou ele, enquanto olhava e passava com os dedos pelos cds de rock expostos numa prateleira atrás de mim de uma maneira muito suspeita. Pegou, então, num cd dos Guns N' Roses e virou-se para nós com um sorriso estampado naquela fronha mais branca que uma parede.

- Hm... - murmurou James tirando o cd das mãos do desmiolado e examinando-o atentamente - Este não é mau mas prefiro o Use Your Illusion.

- Pois, também eu, mas caso não te lembres eu levei esse da última vez, James.

Enquanto eles comentavam sobre os próximos concertos de rock em Inglaterra e discutiam sobre o aquecimento global (também não entendi como é que uma coisa deu na outra mas pronto), eu encontrava-me no meio de um dilema entre levar um cd dos Iron Maiden ou um dos Alice In Chains, visto que não tinha dinheiro para ambos (na verdade, quase nem tinha dinheiro para um sequer). Entretanto lembrei-me de uma maneira de poder levar os dois e não, não estava a pensar em roubar, nunca faria isso. O que eu ia fazer era usar os meus poderes manipuladores e convencer Kyle a pagar por mim. Simples.

- Podes chegar aqui? Preciso da tua opinião.

- Hm... Diz - aproximou-se com desconfiança como se eu lhe fosse arrancar os olhos ou qualquer outra coisa que os assassinos em série fazem.

- Quero muito levar este cd mas também gosto bastante deste - afirmei e ele encarou ambos os cds que se encontravam nas minhas mãos geladas - O problema é se só tenho dinheiro para um.

- Prefiro este - anunciou apontando para o cd dos Alice In Chains.

- Não estás a entender a questão - disse-lhe soltando um riso sarcástico - Tu vais-me dar dinheiro para eu levar os dois. Capiche?

- Se não o quê? - Perguntou cruzando os braços à frente do peito numa tentativa de me intimidar e eu senti pena pelo facto de ele achar que o conseguia fazer. Ele era tão assustador quanto um gatinho bebé, ou seja, nem um pouco. A única diferença é que gatinhos bebés são adoráveis e ele nem por isso.

Dei um passo em frente, ficando mais próxima dele, também já com os braços cruzados e fixei-o com o olhos semicerrados.

- Se não eu digo à tua mãe que tentaste fugir de mim e que me deixaste numa ruela qualquer mesmo sabendo que eu podia ser raptada - disse a primeira coisa que me veio à cabeça.

- Porque é que ela haveria de acreditar nisso?

- Porque ela sabe que tu me detestas e não me consegues aturar, da-ah!- expliquei como se fosse óbvio, até porque, de certa maneira, era.

O desmiolado tirou a sua carteira preta do bolso e começou a mexer no dinheiro que eu ansiava para ter nas mãos quase tanto quanto desesperava por um novo episódio de American Horror Story.

- Tu és tão irritante que se alguém te raptasse mandava-te embora minutos depois - ele disse com um sorriso amoroso na cara e eu contive-me para não o mandar para um sítio não tão agradável porque afinal ele tinha-me dado o dinheiro de que eu tanto necessitava para que a minha vida continuasse naturalmente.

Depois de comprarmos tudo o que pretendiamos e de nos despedirmos de James, dirigimo-nos novamente para o Brandon Hill Park. Mal pissamos a relva húmida, Kyle teve a estúpida ideia de me lançar um desafio ainda mais estúpido que a ideia em si, vista a minha (in)capacidade física.

- Estas a ver aquela árvore enorme? - apontou para a tal árvore e eu anui - Quem for o último a chegar é um ovo podre! - mal acabou de proferir a coisa mais infantil que tinha ouvido nos últimos tempos começou a correr, o mais rápido que conseguiu para a árvore e eu fiz a única coisa que podia fazer numa situação como aquelas: derrubá-lo. Literalmente.

Já dei a entender que as minhas aptidões físicas não eram as melhores (de todo), porém era uma pessoa muito competitiva, muito mesmo, e obviamente não ia deixar que um parvalhão como Kyle rir-se de mim.

Cinco segundos após ter começado a correr o mais rápido que as minhas frágeis pernas conseguiam, os meus pulmões imploraram-me para que parasse mas ao ver que a distância entre mim e o desmiolado já não era tanta, então mantive-me leal ao meu objetivo: Assim que me aproximei de Kyle saltei-lhe para cima e ele, com todo aquele peso em cima das suas costas, tropeçou e caiu na relva, mas o que era mais que óbvio desde o início é que se ele caísse eu caia com ele, pena que não pensei nisso antes.

O seu corpo magrela suavizou o impacto da queda, pelo que consegui pôr-me em pé com alguma facilidade. Já o rapazeco ficou totalmente espalmado contra a relva húmida como se uma baleia tivesse caído sobre ele o que me fez pensar em perder uns quantos kilos. Voltei então a correr em direção à grandiosa meta para finalmente me poder rir da cara do atrasado que naquele momento estava com a cara colada ao chão. E foi exatamente isso que eu fiz: ri-me tanto dele que a minha barriga começou a doer tanto como quando levava com bolas de basquetebol no estômago durante as aulas de educação física.

Quando ele, em fim, decidiu parar de beijar o chão (aquele foi provavelmente o seu primeiro beijo) e se levantou com uma certa dificuldade começou a correr rapidamente na minha direção que nem um touro furioso quando vê aquelas capas vermelhas que os homens vestidos de maneira ridícula usam nas touradas (ps: sou totalmente contra isso) e tudo o que pude fazer antes que ele me alcançasse foi soltar um "OH NÃO!".

Eu estava total e completamente lixada.

KiraOnde histórias criam vida. Descubra agora