Capítulo 3

2.2K 138 27
                                    


– Acorda, vamos miss depressão, acorda agora. – Júlia gritava enquanto abria a janela para a claridade do sol entrar – Já passou da hora de tirar a bunda dessa cama, largar essa maldita vodka que está ocupando o lugar do meu abajur e voltar à vida, pelo amor de Deus, faça alguma coisa por você.

Respirei fundo. Elas se revezavam quase todo santo dia nos últimos três meses para fazer isso e já estava me dando nos nervos. Eu estava no meu quarto, na minha cama e pagava pela minha vodka então que merda elas tinham a ver com o que eu fazia da minha vida?

– Júlia, esse circo já cansou, de verdade, por favor, me deixe em paz. – eu pedi na esperança de voltar a dormir, em vão, claro. – Se você está cansada desse "circo" se mude, pois ele vai continuar por todos os dias da sua vida até você entrar em coma alcoólico – retrucou puxando o lençol e me deixando descoberta – Pelo amor de Deus, já faz três meses que está enfurnada nesse quarto, perdeu seu emprego, perdeu sua dignidade e agora esta perdendo sua saúde. Você acha que é isso que seu pai espera de você?

– Ele não espera nada de mim sua louca, ele já morreu, se esqueceu? Mortos não esperam nada de ninguém – disse puxando o lençol de volta.

– Você tem toda razão, então será que pode respeitar o esforço que ele fez em vida para que você pudesse ser feliz? Você acha que essa era a definição de felicidade pra ele?

– Se ele se importasse, não teria escondido de mim um câncer, não teria morrido sem se despedir, não teria me deixado longe quando eu deveria estar perto.

– Como você é imatura, meu Deus, tudo o que ele fez só mostra o quanto ele te amava. Ele te poupou de compartilhar do sofrimento dele para que você pudesse continuar com sua vida normalmente – ela suspirou e sentou-se nos pés da minha cama – Laura, você era a menina dos olhos dele, por favor, faça alguma coisa pra que ele não tenha sofrido com esse segredo em vão!

Cobri a cabeça e dei-lhe as costas, não queria ouvir nada, só queria que ela se fosse e que me deixasse com minha dor, com meu silêncio. Queria morrer ali, era só o que eu precisava. Funcionou, ela suspirou e partiu, porém, antes de fechar a porta atrás de si, disse:

– Minha amiga, se você desistiu, eu não posso te ajudar, sinto muito. – ouvi a porta bater.

Era muito fácil dar palpite quando não podia sentir o que outro estava sentindo. Todas elas tinham seus pais, se relacionavam muito bem com eles, não havia a mínima chance delas imaginarem o que eu estava sentindo. Eu havia perdido meu pai, e nunca tive minha mãe, eu não tinha mais ninguém, então, não fazia sentido nenhum sair daquela cama, eu não tinha o que fazer e nem pra onde ir.

Não sei quanto tempo havia passado desde a última vez que Júlia havia tentado, sem sucesso, me tirar da cama. O tempo deixou de ter sentido. Eu levantava apenas quando tinha fome, o que era raro, e nunca olhava no relógio. Havia jogado meu celular pela janela assim que voltei do hospital, ele não parava de tocar e eu não queria perto de mim nada que me lembrasse de que estava viva. Sentei-me na cama, às vezes tinha que fazer isso porque minhas costas doíam muito. Queria ir ao banheiro, mas escutei vozes vindo da sala e desisti, eu não saia do quarto quando tinha alguém em casa. Júlia havia mudado de quarto para que eu pudesse ter privacidade, ela dividia agora o quarto com Cecília e a Helena.

Algo Grandioso (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora