Capítulo 22

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As semanas foram passando e o quadro do Otávio não melhorava, ele apresentava sintomas profundos de anemia e plaquetopenia, seu frágil e pequeno corpo estava coberto por manchas roxas. 

Ele não reclamava de dor e eu esperava que ele não as estivessem sentindo de verdade, só de pensar que meu pequeno estava sofrendo, me fazia querer estar em seu lugar. Todas as noites eu e o Humberto orávamos e pedíamos a Deus que não o levasse, precisávamos dele aqui conosco, ele só precisava aguentar mais dois meses para fazer o tratamento. 

Eu sabia que o Humberto sofria por dentro, mas ele se manteve forte para não demonstrar ao filho que estava sofrendo; se manteve forte para me amparar; se manteve forte parar ter fé, para orar comi- go e orar sozinho, muitas noites. Eu nunca mais tive razão para chamá-lo de Sr. Sem Fé, pois, meu marido era um homem que em nada se parecia com o que eu conheci a dois anos atrás. Ele teve fé suficiente para suportar ver nosso pequeno piorar a cada dia e mais fé ainda quando decidiu tirá-lo do hospital e levá-lo para casa.

– Você não vai tirá-lo do hospital, é loucura, não faça isso! – implorei aos prantos.

– Meu amor – disse me abraçando – Ele não merece terminar seus dias em um hospital, não é justo, eu o quero em casa conosco como uma família, a família que ele construiu. Eu não tenho poder para impedir que ele nos deixe, não tenho poder para determinar quando, mas tenho poder para definir onde, e não será em um hospital.

Eu estava de oito meses quando o Otávio nos deixou para brilhar no céu. Era uma noite linda, e após eu ler o último capítulo do Harry Potter, ele pediu para deitar-se sob as estrelas. Eu como mãe protetora, disse que ele estava muito fraquinho e quando ele melhorasse um pouco o levaria, mas o Humberto naquele estágio, se negava a dizer não a qualquer vontade do filho. Pegou-o no colo enquanto a enfermeira ajudou com os aparelhos e eu preparei o cobertor para deitá-lo na varanda do nosso quarto. Lá ficamos os cinco, o papai, a mamãe, a pequena Esperança, o pequeno Otávio e o Nick deitado aos nossos pés, todos contemplando as estrelas.

– Papai, quando eu virar estrela eu vou proteger as sete irmãs do caçador Orion.

Foi impossível não rirmos.

– Eu sei que vai, você é um cavaleiro valente, sempre foi.

– Mamãe? – me chamou enquanto sua mãozinha procurava a minha.

– Oi meu amor, estou aqui – respondi pegando na sua mão. 

– Quando eu encontrar a mamãe Sara, vou dizer para ela que você foi uma boa mãe e cuidou muito bem de mim e vou dizer para ela não ter ciúmes porque eu amo vocês duas igualzinho.

– Eu também te amo meu grande garoto – beije-o na testa – nós te amamos, eu, o papai e a Esperança – e como que em sinal de confirmação a Esperança começou a se mexer de forma agitada, então, coloquei a mãozinha dele na minha barriga para que pudesse sentir o amor da irmã.

– Ela está mexendo – ele sorriu.

– É a forma dela mostrar o quanto adora o irmão mais ve- lho.

Sob o céu estrelado, naquela noite, ele partiu e deixou um imenso vazio em nossos corações. Só foi possível transcender a dor porque uma nova vida estava a caminho e porque o Humberto foi forte por nós dois. Ele acreditava que a missão do nosso pequeno estava concluída, pois, ajudou a salvar nossas vidas, fez com que nos encontrássemos, nos uniu no amor, nos fez uma família. 

Nada sabemos dessa vida e nosso futuro tão pouco está em nossas mãos. O que eu aprendi nessa jornada? Aprendi que nada nos pertence, aprendi que tudo que temos e todos que amamos, nos foi emprestado por Deus, e não sabemos até quando teremos o privilégio de tê-los conosco. Não sabemos quando cada pessoa partirá deixando um enorme vazio e uma grande saudade no peito. Então eu me pergunto: De que vale a ilusão das aparências, a tolice do orgulho, a ganância e a incoerência das magoas, quando percebemos que nada é definitivo?  Vivemos tão pouco para perdermos tempo com isso. A verdade é que a jornada que vivi até aqui, me mostrou que a vida vale a pena somente quando se tem amor e fé dentro de nós e vale mais a pena ainda, quando conseguimos compartilhar esses sentimentos com quem amamos.  

Quando a  Esperança nasceu, a alegria voltou aos nossos corações, ela era linda, tinha os olhinhos escuros e arregalados que lembravam o irmão. Quando tive alta do hospital e voltei para casa, era noite. Como eu desejei que ele a tivesse conhecido, a pegado no colo e que viesse correndo ao nosso encontro nesse dia.

Sem saber se era real ou se era minha imaginação, quando desci do carro olhei para o céu e ali estava uma estrela nova, pequena e brilhante e então tive a certeza de que era o Ótavio e que de alguma forma ele estava com ela, e sempre estaria.  Olhei então para a minha pequena Esperança e sussurrei – "Está vendo aquela estrela meu amor? É seu irmão, te dando um beijo de boas vindas".

FIM

Algo Grandioso (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora