Capítulo Bônus - JP

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João Pedro Leal

Dizem que nenhuma pessoa é mesma após ficar frente a frente com a morte. E eu tenho que concordar. O acidente de carro que quase me vitimou, me fez repensar a vida. Minhas escolhas, meu emprego, o que eu queria daqui pra frente. Somente de uma coisa eu tinha certeza: que eu precisava deixar o velho João Pedro no hospital e voltar a ter controle da minha vida.

Marcela esteve ao meu lado o tempo todo. Assim que recebi alta seu esposo, foi nos visitar junto com seus filhos, Bento de 3 anos e Lucas, meu afilhado, de 5 anos, mas ele logo precisou voltar para o emprego, ele é gerente de uma franquia de artigos esportivos, a Marcela e os meninos permaneceram em São Paulo durante todo o tempo da minha recuperação. Meu apartamento, que antes era silencioso, passou a ser preenchido pelas brincadeiras das crianças e pelas broncas da Marcela para não acordar o "tio Pedroca", como os meus sobrinhos costumavam me chamar. Por sorte o acidente não deixou sequelas, fiz muitos exames, fisioterapia e consultei alguns especialistas de diversas áreas. Por fim, ganhei algumas cicatrizes, muita medicação e uma perna engessada que foi colorida por desenhos de cachorros, gatos e muitos outros rabiscos — até uma figura da Peppa Pig tinha no meu gesso. Foram momentos de superação, mas que terminaram me deixando forte e pronto para recomeçar.

— Dindo, eu deixo você dormir na minha cama — Lucas choramingou.

— João, você não vai ter coragem de dizer não a essa carinha, vai? — Marcela falou num tom também choroso apontando para meu afilhado.

— Não torne isso ainda mais doloroso, Marcela.

A verdade era que eu também já estava sofrendo com a partida deles, havia acostumado a acordar com as crianças pulando na minha cama, levá-las para passear, ficar assistindo desenho até adormecer no sofá. Mas eles tinham que voltar para casa, Marcela estava afastada do trabalho, os meninos estavam de férias, mas o Raul sentia falta deles. O Rio era o lugar onde eles formaram uma família, construíram laços afetivos, amigos, a vida.. em contrapartida, a cidade não fazia mais sentido para mim, estava estabelecido em São Paulo e não tinha mais um amor.

Abaixei-me, ficando na mesma altura do Lucas, que me encarava com seus olhos castanhos.

— Você não sente falta do seu quarto? Dos seus brinquedos? Do papai? Do Godofredo? — fez sim com a cabeça — Você trocaria sua casa por outra?

— Não — falou sem titubear.

— Eu também não. E sabe por quê? Porque nossa casa tem nosso cheiro, nossas lembranças e nenhuma cama é como a nossa. Vai dizer que gostou de dormir na cama com a mamãe roncando? — ele riu — A casa do dindo é aqui em São Paulo e vocês podem vim visitá-la sempre. Estaremos apenas longe fisicamente, mas juntos para sempre e sabe por quê? Porque meu lar é ao lado de vocês, aqui dentro — toquei seu peito, no coração — estamos todos juntos — ele me abraçou e chorou, algumas lágrimas rolaram por meu rosto também.

— E o Godo? Ele vai sentir sua falta — Bento falou no colo da mãe.

— Vem cá — peguei-o no meu colo — o Godofredo ganhou os melhores irmãos do mundo e tenho certeza que vocês vão cuidar muito bem dele.

— Igual o Lucas cuida de mim?

— Exatamente.

— E quem vai cuidar de você, tio? — A pergunta me pegou desprevenido.

— O tio já cresceu sabe se cuidar sozinho.

— Não sabe. Quebrou a perna e a gente veio cuidar de você, já esqueceu? — Lucas falou. Fazendo eu e Marcela sorrirmos.

DESTINO - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora