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Ao descerem as escadas, fiquei agarrada à porta da cozinha a ver o que se passava.

E não... eu não estou a espiar, só estou a tomar certezas de que nada de estranho acontece no corredor da casa, principalmente quando eles estão sozinhos nesse local vazio e solitário.

'Vemos-nos amanhã?'

'Amanhã não sei se vou à festa, parece-me demasiado secante o tema.'

'Oh! Vá lá, irei ser a única que vai sem o próprio namorado.'

'Já foste a muitas festas sem mim e nunca te ouvi a queixar. Porquê isso agora?'

'Não queres ir? Não vás!'

'Ok. Até amanhã!'

Ela nem se despediu dele, ficou mesmo furiosa.

YES! TOMA AÍ FEIONA. O meu irmã ainda contém dignidade dentro de si, não é um parvo qualquer, é o meu irmão parvo.

'Marta, espiar a conversa dos outros é feio.'

Ele apanhou-me a espiar a conversa dele e nem sei como. (Eu não estava a ESPIAR! É impossível eu fazer isso)

Ele subiu as escadas em direcção ao quarto e eu fui dar uma vista de olhos na sala, onde estavam o Ricardo e o Leonardo. Os bonecos só acabam lá para as 3 horas da manhã, portanto em épocas de férias, para o Ricardo, é uma alegria sem fim lucrativos. (Para mim)

Fui para o quarto depois de saber que os outros dois estavam na sala, quando vejo a porta do quarto do João aberta e ele a tocar guitarra eléctrica. Ele nunca mais tinha tocado nela desde que nos mudámos para Paris, será por causa da discussão com a namorada francesa feiona?

Só pode.

Vou falar com ele.

*Bater na porta*'Posso entrar?'

'Não tenho nada teu aqui.'

'Calma. Só quero conversar contigo.'

'Não temos nada para "conversar". Boa noite!'

'Deixa de ser assim João...'

Sentei-me ao lado dele na cama e ele nem olhou, fixou-se por completo na guitarra.

Ainda ele quer que eu arranje um namorado? Quando eles estão parvos, só se fixam nos objectos pessoais que lhes são importantes. Para conversar são uma meh, mas prontos.

'O natal está quase a chegar, e como tal, sabes que vamos ter o jantar.'

'Sim, e então?'

'Porque é que não convidas a chanteeh?'

Sim, a namorada dele chama-se isso. Parece que foi inventado! (DESCULPEM!)

'O quê? Pró jantar? Estás louca?!'

'Não! Então?'

'Os pais não iriam gostar de ter alguém no jantar que não fosse da família.'

'Vale apena tentar, não achas?'

'Não, como eles são, nem vale apena perguntar.'

'Eu posso ajudar.'

'Marta, vai dormir.'

Não dá para conversar com ele, não dá.

Não dá, não dá, não dá, ...

Como podem ver, lembrei-me da porra da canção de novo.

Adiante.

A minha mãe chegou do trabalho e perguntou-me pelos telefonemas e preparativos.

'Marta, já tens quase tudo preparado, ao menos, para o Natal?'

'Sim, só faltam os presentes para os convidados.'

'Óptimo! Isso depois tratamos quando eu estiver de folga. Tiramos um dia para irmos às compras!'

'Está bem, combinado!'

Quando a minha mãe faz planos, por vezes não os realiza, mas quando se trata do Natal e o momento de podermos estar em família, ela é capaz de tudo. O que mais me magoa é que ela só o é capaz nesta época, porque durante o resto do ano, o trabalho é a maior prioridade, inclusive do meu pai.

Ele chegou mais cedo que ela e fechou-se no escritório, quando o vi, estava de costas a entrar e fechou a porta sem olhar para trás. Magoa, mas já estou habituada, mas magoa mais aos meus irmãos que gostavam de passar mais tempo com ele, tal pai, tal filho. Neste caso, não tem nada de 'tal';

Uma das minhas tias ligou-me antes de eu adormecer a desculpar-se por não ser possível vir ao jantar de família no Natal.

'Mas o que se passou, tia?'

'Um dos teus primos passou mal e vai precisar de ser operado e como tal, precisa de ficar internado durante umas semanas. É bem capaz de apanhar a semana do Natal e eu não quero comprometer-me com algo que se calhar será impossível se concretizar.'

'Isso é muito mau, a minha mãe vai ficar devastada. As melhoras para o primo.'

'Obrigada querida, beijinhos grandes!'

'Adeus, beijos.'

Agora quem ficou triste, fui eu. É tão mau não puder ter a família toda reunida nesta época, devido a problemas de saúde ou financeira. Por vezes dá vontade de largar tudo e ir ter com eles, ou seja, levar o natal até eles.

São 02:30h/m da manhã e ainda não preguei olho, fiquei comovida com a notícia e não sei como eide contar à minha mãe o que se está a passar. Eu sei que ela vai ficar preocupada e comovida com tudo isso e se for preciso, ela começa a chorar de preocupação e pânico. (Parece melodramático, mas ela é assim)

Seja como for, tenho que lhe contar antes de ela sair de casa para o trabalho, ou seja, tenho que me levantar com as galinhas.

Ela entra todos os dias às 6h da manhã e como tal, tem que acordar 1h antes para organizar os ficheiros e a maquilhagem de senhora. A minha mãe adora estar bem arranjada para o trabalho, ou qualquer outro evento. Já faz parte dela e da sua personalidade ser ela mesma e vestir-se tal como ela gosta e acha que deve de ser, para uma senhora como ela com a carreira que tem.

Ambos os meus pais são advogados e então passam a vida inteira a recolher ficheiros, avaliar casos e fechados nos escritórios, ou acordados até às tantas na cama a acabar projectos para o dia seguinte.

Ganham bem, não tenho queixas, até me orgulho de ter uma vida equilibrada e de boa saúde, mas a ausência deles é demasiado 'à vista' e isso toca-nos profundamente.

Daí eles organizarem festas (jantares, lanches, almoços, dormidas, etc) em nossa casa com toda a família reunida e de boa vontade. Como não sabem recompensar-nos pela ausência, eles fazem isto todos os anos e sempre na mesma altura, pois é quando eles estão mais disponíveis, pessoalmente e fora da carreira profissional. Eu até que gosto, mas quando se trata de organizar essas festas familiares, a Marta é que fica encarregue de tudo desde os seus 15 anos de idade. Os telefonemas, as confirmações, as cartas, e-mails, comida, lugares, música, vestuário, bebidas, presentes/recordações, etc; Tudo isso é feito pela minha pessoa e nem todos sabem e dão reconhecimento a isso. Pensam sempre 'Vocês este ano abusaram um pouco, até vos subestimei.'; Os meus pais não conseguem contar que fui eu a organizar tudo, porque sou menor, mas toca na mesma não ser valorizada por isso.

Com tudo isto, acabei por não adormecer e já eram quase horas de ela se levantar. 



Um Natal de ComédiaOnde histórias criam vida. Descubra agora