Capítulo 10

11 3 4
                                    

Ponto e vírgula.

Aquilo era sinistro.

Levantei da cama e olhei ao redor do quarto, meu quarto. Em cinco meses tanta coisa mudou. Encarei a parede coberta completamente por colagens, fotos e posters de bandas, artistas, filmes e pessoas que eu gostava. Quem imaginaria que daqui a poucos meses eu arrancaria tudo e deixaria apenas uma parede pintada de preto? Pelas outras paredes sobraram apenas frases e alguns símbolos de Harry Potter. Pensando bem, eu sinto falta de como meu quarto costumava ser.

Me encarei no espelho de corpo inteiro atrás da porta. A Yasmin de cinco meses atrás tinha o cabelo mais curto e sem franja longa e devia ter uns cinco quilos a mais. Disso eu com certeza não sentia falta.

Sentei na ponta da cama e suspirei. Eram sete horas da manhã de sábado, o exato dia em que o Nicolas se machucou.

Meu Deus... Agora que me dei conta de que nessa época estávamos namorando. Suspirei e peguei meu celular na mesinha de cabeceira. Uma foto nossa ainda estava como tela de bloqueio, fiquei olhando aquela imagem por alguns minutos. Ainda bem que eu não tinha mudado a senha, porque não existia qualquer chance de eu conseguir lembrar se fosse qualquer outra. Conectei o Wi-Fi e lá estava sua mensagem de "boa noite ❤" que eu sempre abria pela manhã e que ele mandava mesmo se não estivéssemos conversando naquele horário, apenas por saber que me fazia bem. Meu coração se apertou com essas lembranças, que no momento, eram bem reais.

A entidade havia me falado que eu poderia ficar permanentemente ali, eu nem havia imaginado essa possibilidade. Eu escolheria isso? Viver todos esses cinco meses novamente com a chance de fazer as coisas certas dessa vez?

Não. Com certeza não. Mudar qualquer coisa já me deixava apavorada com a possibilidade de acontecer algo pior, então não queria nem imaginar a possibilidade de desafiar o destino por cinco meses.

Por mais que eu quisesse fazer tudo dar certo.

Lembrei da minha bolsa e procurei pelo quarto, até achá-la embaixo da cama. Peguei as roupas - que eram basicamente uma saia longa com estampa floral e uma blusa verde limão de manga longa - e vesti, logo em seguida coloquei a peruca e ajeitei de uma maneira que não tivesse como cair, depois passei um batom rosa forte que eu jamais usaria e pó bronzeador. Óculos escuros grandes completaram o look. Olhei no espelho e aprovei, eu mal me reconheci.

Esquentei uma fatia de pizza de ontem e comi o mais rápido que pude. Depois voltei para o quarto e pulei a janela. Isso não podia virar um costume, mas eu também não poderia ser vista saindo assim pela porta da frente.

Se eu voltasse antes de meio dia - que era o horário que minha mãe voltava do trabalho - não arrumaria problemas.

Fui andando depressa durante todo o caminho para a pista de corrida, que era onde eu sabia que ele estava treinando, pois amanhã haveria uma corrida muito importante - uma corrida que ele perdeu a chance de participar. Obviamente que as pessoas olhavam estranho para mim durante todo o caminho, claro, eu devia estar parecendo uma hippie moderna. Talvez eu devesse ter escolhido algo mais discreto.

O portão principal estava fechado, devia ser algum sinal de respeito ao treino, que hoje era bem sério. Andei mais por volta e encontrei um portão de tela na lateral e entrei discretamente.

Além do Nicolas, estavam lá seu treinador, seu pai e outros três garotos que eu não conhecia, mas que provavelmente eram competidores.

Respirei fundo e me sentei no chão, ao lado da arquibancada. Segurei minha cabeça com as mãos e tentei controlar a confusão. O que eu estava prestes a fazer? Isso realmente era o certo? Estou tão apavorada com a ideia de tentar mudar e resultar em algo pior. Mas eu tinha que fazer isso. Não ia voltar ao passado à toa.

Subi na arquibancada e sentei em um canto afastado, ele já estava correndo na pista, então não tinha nada que eu pudesse fazer além de torcer para que essa não fosse a maldita volta.

Observei ele correndo. Era tão diferente do que eu vi na semana passada... no futuro. Era uma agilidade e movimentos fluidos tão diferentes, tão melhores. Como eu podia nunca ter ido assistir ele correndo? Ele era fantástico. Eu não tinha qualquer dúvida de que ele poderia ter ganho a final para as internacionais.

Também observei seu pai, ele parecia nervoso, quase que ansioso perto da pista. Ele sabia o quanto tudo aquilo era importante para o filho. Senti um aperto no coração.

Nenhum dos dois, nem ninguém, imaginaria que o Nicolas acabaria caindo feio hoje. Resultando em um deslocamento profundo do joelho, mais precisamente, da rótula, e também outras lesões, que causaria a necessidade de cirurgia, além da destruição de seu sonho.

Eu só queria correr até ele e obrigá-lo a não correr hoje, dizer que havia riscos demais, nem que eu precisasse amarrá-lo. Mas isso seria insano demais. Agora, ele ia tão longe que eu mal conseguia vê-lo.

Quando ele ia se aproximando mais, me levantei à fim de ter uma visão melhor, podendo ficar atenta a qualquer detalhe e também para ter um melhor alcance caso eu precisasse gritar ou ter um momento de insanidade e me jogar em sua frente obrigando-o a parar.

Foi quando ele passava bem na minha frente que eu decidi que gritar era a melhor opção no momento. Será que ele pararia? Ou sequer me ouviria? Estava prestes a gritar, quando uma mão cobriu minha boca por força.

Não tive tempo de me debater ou ter qualquer reação porque eu não conseguia desgrudar os olhos da cena que estava se desenrolando. Tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta enquanto eu via o Nicolas que ia em alta velocidade, caindo e ficando no chão, aturdido demais para gritar de dor, enquanto seu pai percebia a situação e corria até ele para ajudar.

Não, não, não, não, não, não, NÃO, eu queria gritar, mas não podia.

Quando a mão me libertou - eu estava tão desnorteada com a cena que acabei esquecendo-me -, me virei rapidamente e vi quem eu jamais esperaria vir. Nunca.

Vi a mim mesma parada em minha frente.

Esboço do que FoiOnde histórias criam vida. Descubra agora