As imagens do dia do meu nascimento me invadem em sonhos, me fazem despertar durante a noite, me enchem de medo e, ao mesmo tempo, de uma alegria tremenda. Assustadora. Me seduzem as imagens das águas arrastando tudo e todos.
Não existe mas noite de sono descansado desde que nasci.
Sexta vai fazer quinze anos que isso aconteceu. Quinze anos também que meu pai morreu. Um pai que nunca pôde me pegar no colo, me fazer carinho, me ver crescer. Ele só vem em sonho. Assim como aquela noite de águas e de choro. Ele vem, me sorri, me olha com grandes olhos azuis, iguais aos meus, fala coisas que não consigo ouvir. Parece que meus ouvidos estão lacrados. Sei que ele me diz algo importante, sei que o som de suas palavras chega até mim, mas não entra em meus ouvidos. Estou blindada ao que ele quer me dizer. E acordo desesperada, e tento adivinhar sua fala, e procuro ler seus lábios,e nada. Só o silêncio e a angústia dos olhos dele ao perceber que não o escuto.
Que não o escuto.
Não escuto.
Não escuto.
Não.
Meu pai morreu num acidente de carro naquela noite de temporal horrível, quando corria para casa para ver a filha que nascia:eu. E, por causa da chuva (e por minha causa também ), o carro bateu num poste e pegou fogo, virou fogueira e meu pai lá dentro, preso às ferragens, para sempre levando com ele o afago que me trazia e que nunca pôde dar. O meu primeiro afago.Talvez, por isso (mais por isso, acho, do que pela ausência da minha mãe ), eu sempre me sentir meio turista nesse mundo, meio alienígena em tudo que faço. Me sinto diferente, torta, estranha. Não é à toa que o Dimas e o Werner Werner, aqueles idiotas, vivem debochando da minha cara, me chamando de A Estranha. Não revido, sei que sou mesmo. Pelo menos é Assim que me sinto :estranha.
Só a Bete, acho, e o Tito não me veem assim. Devem ser cegos, ou tão estranhos quanto eu. Sei lá. Já deixei de tentar me entender, de saber o porquê de minha mãe ser tão distante de mim, de só aparecer pra me ver uma vez por ano.
Houve um tempo em que cheguei a acreditar que ela não me amava, porque eu matei o meu pai. Hoje já não penso, ou deva pensar, sobre as atitudes dela. Não é comum uma mãe largar a filha recém-nascida com sua tia-avó e sumir da vida dela. Foi assim que a Alice fez.
Mas sexta-feira vou fazer quinze anos. E, agora, o vento uiva lá fora, faz frio. Bastante frio. Por isso prefiro ficar aqui, presa no quarto, apesar de, há pouco, a Bete ter me ligado pra convidar pra uma noite lá na casa dela. Vão o Tito, Penny Lane, a Irene.
-E o Daniel? -eu perguntei.
-O Daniel disse que não pode.
-Ah-suspirei, meio sem saber direito o que dizer.
-Você vem? -Bete insistiu.
-Ah, não sei. Talvez.Não fui.
Eles devem estar lá, rindo e jogando imagens e Ação. Eu aqui na cama. Eu, o Puquerel e Augusto dos Anjos. Gosto dos poemas dele. Às vezes, acho que ele se sentia como eu me sinto:uma estrangeira num mundo que não me entende.
Mas, sexta-feira, faço quinze anos.
Sexta-feira, tia Tânia vai me acolher com um bolo de chocolate.
Sexta-feira, exatamente às 13h, um leve toque de dedos na porta (ela jamais usa campainha, parece temer o ruído estridente, parece adorar a discrição ), Alice chegará. Rotina que se repete todo o ano. Único dia em que minha mãe vem me ver. Há vezes que sinto vontade de fugir, só pra não precisar dar um oi pra Alice, só pra não precisar receber o abraço sem afeto da Alice, só pra não ter que dizer obrigado quando ela me estender algum presentinho. E se ela chegasse e eu não estivesse aqui? Será que iria notar minha ausência? Duvido. Acho que ela apenas cumpre uma tarefa. Aliás, nem sei por que cumpre tão rotineiramente essa obrigação de ser a mãe que nunca foi. Não sei. E acho que nem quero saber. Nunca falei com tia Tânia sobre isso. O que a Alice pensa ou deixa de pensar pouco me importa. Não preciso da migalha de carinho que ela me oferece.
Quer dizer.
Preciso sim. Pra mim mesma não preciso mentir.
Por isso, não fujo. Por isso, fico esperando que ela bata na porta com os nós dos dedos magros (ela é muito magra) e que ela me abrace, e diga com aquela voz macia (ela tem uma voz doce, envolvente ):feliz aniversário, Dora. Depois, ela sorrir para tia Tânia, abraça-a com uma força maior do que toca em mim e pergunta se ando aprontando muito. Ah, Dora, você está uma mocinha, ela diz e seus olhos escuros (ela tem olhos muito pretos)cruzam com os da tia. Ambas sorriem. Parece que há um código a que eu ainda não tenho acesso. Ainda.A verdade é que a presença da Alice me atrai, não me deixa fugir, não deixa que eu me esconda na casa da Bete, ou sei lá de quem. Fico sempre esperando que seja diferente, que ela me abrace forte, que me dê colo de mãe, que me fale de sua vida, por onde ela anda, o que faz.
Mas não.
Alice é fria, convencional. Mais pergunta pela minha vida do que fala da sua. Misteriosa sempre. Algo esconde atrás daqueles olhos negros de longos cílios. A pele muito branca (como a minha)é máscara de gelo. Nada transmite, nada entrega,. Talvez eu tenha sido apenas um acidente em sua vida, alguém não desejado que, de repente, apareceu pra perturbar seus planos.
O que acho mais lindo em minha mãe são os longos cabelos (ela tem cabelos muito lisos, muito negros, que lhe caem pelas costas feito um véu ). Os meus cabelos são crespos. Escuros como o dela, mas crespos. Como os do meu pai
Me mexo na cama. Puquerel se enrosca em meus pés. Ronrona. Por vezes, acho que ele não é apenas um gato Preto que eu ganhei da tia Tânia quando fiz cinco anos. É mais. Não sei bem o quê. Mas é mais.
Bom, essa sou eu:Dora, uma menina que vai fazer quinze anos, órfã de pai. Órfã de mãe viva. A estranha do Colégio. Aquela que odeia os cabelos lisos e loiros da Jeanine. Aquela que ama o Daniel. Aquela que só tem dois amigos :o Tito e a Bete. Aquela que tem uma tia-avó que ama e um gato que a protege. Eu disse isso? Um gato que a protege?. Aliso os pelos do Puquerel e me pergunto se será esse o algo mais.
Na sexta 13, farei quinze.
Amanhã, domingo. Se não chover, acho que convido a Bete pra vir aqui, ou vou à casa dela. Apesar da mãe dela. Uma mulherzinha metida a besta. Cheia de ordens. A gente não pode comer no quarto, não pode pôr os pés sobre o sofá, não pode fechar a porta do quarto, não pode deixar coisas espalhadas pela sala, não pode esquecer pontas de lápis ou farelos de borracha sobre a mesa ou sobre o tapete. Enfim, uma chata.
Já a tia Tânia não liga pra essas coisas.
E a Alice ligaria? Acho que eu até preferiria ter uma mãe chata como a da Bete, enchendo minha paciência o dia todo, do que ter a Alice, que só aparece uma vez a cada 365 dias.
Sinto uma ardência no braço, olho a mancha. Ela está avermelhada.Oi pessoinhas então agradeço por vcs estarem lendo esse livro, ele é de um autor que eu admiro muito então quis dividi-lo com vcs meu amores, quem tá gostando da história da aquela (☆) eu vou pular de alegria rsrs, sério mesmo.
Ainda tem muitos mistérios pela frente então não percam o próximo capítulo meu lindos bjokas😚😚😚😚😚😚😚
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A Filha das Sombras
RandomEstas estranhas mulheres que têm poderes sobre a natureza, que são capazes de gerar vida e morte, senhoras dos feitiços, seres capazes de voar sobre vassouras e de se transformar em pássaros negros são as bruxas. Diante de uma delas, só podemos mes...