8-Capítulo

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Voltamos todos para a sala de aula. A Bete me pergunta por onde andei no recreio. Diz que ela e o Daniel me procuraram por todo o pátio, na cantina, na biblioteca. Achei que você tinha ido pegar uns livros daquele poeta estranho.
Sorrio.
Ela fala do Augusto. Mal sabe que ele apenas publicou um livro. Só um. Volto o rosto para o local onde Irene senta, seus olhos se cruzam com os meus e é como se pedissem segredo.
-Mas eu tava lá na biblioteca mesmo, que estranho vocês não me encontrarem.
-Ah, é que a gente só espiou da porta.
-Então foi isso-eu falo e baixo a cabeça, achando que aquela fidelidade com Irene não está certa. Afinal, a Bete é que é minha amiga. A ela é que eu tenho que ser fiel. E não à Irene com seu olhar congestionado.
A aula começa, e eu fico nesse meio termo entre arrependida (por ter mentido para a Bete, por não ter me encontrado com o Daniel no recreio) e preocupada (por causa das palavras da Irene).
E apenas no final da aula, acho que meio sem querer, sei lá, é que descubro os motivos da Irene. Estamos nos dirigindo para a van, quando a Penny Lane diz que o Werner Werner, quando ela e a Irene passaram por ele e pelo seu parceiro de implicancias, deu a entender que a Irene está apaixonada.
-Menina, -fala a Penny Lane- a Irene ficou tão furiosa. Ela avançou contra o Werner Werner, gritou umas coisas contra ele, você precisava ver. O garoto se encostou na parede, cheio de medo. Adorei ver alguém botando aquele idiota no lugar dele.
Então tudo se fez clareza pra mim: a Irene está apaixonada. E, se ela está apaixonada, eu já sei quem é o objeto da sua paixão. Não pode ser outro. Agora tudo faz sentido. Ela havia percebido os sorrisos, o interesse do Daniel por mim. Ela tava na casa da Bete quando ele perguntou por mim. Sim é isso, só pode ser.
Ah, que ódio dessa Irene, eu pensei antes de subir na van. Ah, que ódio de mim mesma que dei ouvidos a ela.
Droga.

Bete:
-jura, Dora?

Eu:
-Aham. A Irene veio cheia de misterinhos pra cima de mim, quando na verdade ela tá é querendo o Daniel. Pode?

Bete:
- Mas é muito cara de pau, ela, hein?

Eu:
-Bota cara de pau nisso, Bete. Se não fosse a Penny Lane comentar que o Werner Werner debochou da cara da Irene, eu ia ficar achando que ela sabia alguma coisa do Daniel.

Bete:
-Mas será que é dele mesmo que ela ta a fim?

Eu:
-Se quem mais, Bete? Do Werner Werner e do Dimas é que não ia ser. Ia? E se ela não é a fim do Daniel, por que veio com aquele papo besta de que ele não é o que eu penso que ele é?

Bete:
-Ah, sei lá. Sei lá. A Irene é meio estranha, sempre fica na dela. Sei lá.

Bete:
-Bete, estranha sou eu. Esqueceu?

Deitada na cama, penso na conversa que tive com a Bete há pouco. E cada uma vez me sinto mais certa de que a Irene resolveu me tirar do caminho dela. Era só o que faltava. Além dos meus pesadelos noturnos, agora me aparecem esses problemas diurnos.
A Irene a fim do Daniel. E eu também. Ah,sei lá, mas numa hora dessas acho que cabe a ele escolher com quem ficar, ora. Se quiser ficar com Irene, que fique. Aliás, eu jamais agiria como ela, jamais inventaria qualquer bobagem apenas para afastar alguém de um cara de quem eu gostasse. Cara de pau.
Ah, sei lá. Nessas coisas de amor será que a gente se comanda mesmo? Por vezes, fico querendo saber, por exemplo, como foi a história de amor entre meu pai e Alice. Será que se amavam? Será que se queriam bem? A Alice nunca me disse nada. Nas poucas vezes que vi, nunca falamos do meu pai. Acho que, na verdade, nunca falamos sobre nada que dissesse respeito a nós, à nossa história. As palavras que preenchem o vazio (enorme vazio) que existe entre nós duas são ocas de sentido. Óbvias.
Corriqueiras. Jamais eu e ela tivemos algum tempo para pensar, para falar sobre a gente, sobre sentimentos que nutrimos uma pela outra (se é que sentimos alguma coisa uma pela outra ). Eu, por exemplo, gostaria de falar sobre a falta que me faz ter uma mãe, gostaria de dizer que, mesmo a tia Tânia sendo uma pessoa especial q quem eu amo muito, sinto falta de carinho de mãe. Queria dizer tantas coisas para a Alice. Mas não falo nada. Fico sempre esperando que ela me fale sobre ela, sobre o que sente, sobre onde anda nos outros 364 dias em que está longe de mim.
Espero, espero. Só espero. Nada faço.
Nem ela, tampouco.

A Filha das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora