12-Capitulo

208 12 3
                                    

     Eu, uma bruxa? Sim, foi isso mesmo que ela falou. E eu, ali, tentando entender aquela piada, tentando entender por que ela fazia aquilo comigo. Sumia durante todos os dias do ano, só surgia no meu aniversário e ainda aparecia para dizer um monte de idiotice. Eu, bruxa?

    É a mais pura verdade, minha filha. Não fique me olhando com esses olhos incrédulos. Você sabe, no seu íntimo, você sabe que o que revelo é a mais pura verdade. Seus pesadelos eram tentativas de seu pai, a fim de afastar você da floresta. Lembra dos eventos que ocorreram com algumas pessoas graças aos seus desejos? Então, eram apenas sua força de bruxa que começava a despertar, que não aceitava ficar maquiada dentro de você.
     Eu sempre estive por perto, Dora. Sempre. Por vezes, queria vir te dar um beijo  de boa noite, um abraço, mas temia, temia que Ele descobrisse, que Ele conseguisse chegar perto de você, que conseguisse contaminar seu coração. Tentei ficar o mais longe possível, sabia que da minha próximidade poderia vir o seu mal, minha filha.
     Não me olhe assim, acredite. Ele jamais me deu paz, jamais. E agora, depois que você entrou na floresta, a única forma de protegê-la, de torná-la mais forte é fazer o que estou fazendo:contar a verdade sobre sua origem. Você é uma bruxa. Assim como eu, assim como sua tia Tânia. E o Puquerel era um espírito protetor que habitava o corpo daquele gato e que tinha a função de impedir que você se encontrasse com a verdade antes que eu tivesse que dizê-la. Mas Ele aprisionou Puquerel.

    -Quem é Ele? -pergunto.
    E minha mãe diz mais uma maluquice.
    -Ele é o senhor das Trevas, o Mal-em-pessoa, o Demo. Ele é aquele ser de olhos de fogo que você encontrou na floresta ontem. O Próprio. E se eu não estivesse por lá, se não tivesse voado sobre você e a trazido de volta, não sei, Dora, não sei o que poderia ter acontecido.
     Eu rio.
     Rio de nervosa.
     Rio de besteiras que ela diz.
     Solto a mão que ela segura. Corro para fora do quarto, Alice me segue, grita meu nome. Encontro tia Tânia na sala, ela me olha assustada .
    Grito:
     -Tia, diz pra essa mulher ao que eu não sou uma menina medrosa pra ela ficar inventando um monte de mentiras idiotas. Diz .
    Mas minha tia me olha, agora com carinho, sinto que quer me proteger, porém não pode.
    -O que ela disse é tudo verdade, minha menina.
     Não penso em mais nada, não quero pensar. Abro a porta e corro pela rua sem saber direito para onde meus pés me levam. Sei que quero apenas me afastar daquela casa, daquela floresta, daquelas mulheres.
    
    Belo presente de aniversário. Belo presente. Tem graça a Alice aparecer pra dizer uma besteira dessa? Antes não tivesse aparecido ,antes tivesse ficado em seu mundo cheio de fantasias. Bruxas, eu, ela, tia Tânia. Tá, faz de conta que eu acredito. Aí. Pego uma vassoura e saio voando pela noite de lua cheia. Noite 13. Agosto.
     Paro. 13 de agosto. Noite de lua cheia. Tudo apenas coincidência. Só isso, mais nada.
    Mais nada.
    Caminho em direção à casa da Bete. Preciso partilhar com alguém essa bobagem que a Alice disse. E que a tia Tânia confirmou. Por que, afinal, ela confirmou? Que poder a Alice tem sobre ela que a fez mentir pra mim também? Lembro dos olhos do homem alto que saiu do casebre na floresta, seus olhos eram de fogo, olhos de demônio. Alice não teria como saber o que vivi ontem a noite, não teria. A não ser que seja bruxa mesmo e que essa maluquice toda  não seja maluquice nenhuma.
     Era só o que faltava, agora eu mesma me convencendo de que as palavras da Alice são verdade.
     Era só o que faltava.
 

   Corro. Quero me afastar o mais possível de casa. Da Alice. De repente, uma enorme saudade do pai que jamais conheci, que apenas vi numa fotografia meio velha e que só me aparece em sonhos (nem isso mais agora), incapaz de me dizer qualquer palavra que acabe com esse pesadelo. Pesadelo real.
     Corro.
     Me perco nas horas desta trade fria. Quando me dou conta, tudo é escuro em volta de mim.

A Filha das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora