(3) Vizinho número 777

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-Acho que vamos ter que passar a noite aqui. -ele diz.

Nesse momento me deu uma vontade enorme de chorar. Eu não queria passar a noite ali com ele, essa carência me bateu ainda mais forte.
Fico em silêncio por mais alguns instantes, não tinha nada pra falar.

-Eu pensei que você era patricinha pelo modo que se comportava quando ficávamos aqui no elevador juntos. -ele solta.

-E o que tem haver? -pergunto.

-Você nunca conversava. -ele conta.

-Você nunca puxou conversa. - começo a desconversar.

-Isso não distingue se alguém é patricinha. E só para contar antes de eu vir para cá, eu morava na zona rural em uma cidade que nem está no mapa, morávamos quase toda a família em um terreno só, eu sou filha única mais fui criada com um bando de primos, e quase todos tem a mesma impressão de mim. -termino.

Por que eu contei isso tudo?
Não fazia a mínima pra ele.

-Desculpa, é coisa minha. -ele diz e eu não entendo.

-Oi? -pergunto.

-Você é loira. -ele diz o que eu já sabia.

-E o que tem haver? Ta querendo dizer que só porque eu sou loira... -ele me interrompe.

-Não, claro que não. -ele diz.

Prefiro não continuar aquela conversa que não chegaria em lugar algum.
Bela decepção que eu tive com esse vizinho, pra mim ele era incrível.

Lembro de quando ele se mudou pra cá, há mais de um ano.

Eu tinha acabado de chegar na escola, e dei de cara com ele na portaria.
Ele era mais magro nessa época, não era fortinho como agora.
Mas era perfeito, eu lembro que essa época eu ainda namorava o Vitor, e gostava muito dele. Mas só por isso não deixaria de reparar bem nele, aquele cabelo liso preto e brilhante depois daquele dia eu poderia reconhecer em qualquer lugar que eu fosse.
Não faz muito tempo que eu me mudei para cá, mas era bem conhecida no prédio. Eu saia em algumas revistas de adolescentes, e me achavam bonita, pelo menos no prédio. Mas ele não olhou pra mim nesse dia, e nem nos demais dias.
Era sempre o "bom dia", "boa tarde" e "boa noite", que vinham até mesmo sem olhar pra mim.

Mas eu não me importava nem um pouco com isso, foi só no primeiro dia por que achei ele lindo. Mas eu tinha namorado e estava muito apaixonada, ou talvez cega seria a melhor palavra para descrever.
Mas eu reparava nele todos os dias que nos esbarramos.

-Mas você e suas amigas pareciam me espionar. -ele diz.

Ele diz por alto.

-Eu não fazia isso. -minto.

-Não? -ele pergunta.

-Eu apenas ajudava minhas amigas, elas te achavam bonito. -digo.

-E você? -ele pergunta.

-Eu o que? -pergunto.

-Você me acha bonito. -ele pergunta e eu sinto uma vontade imensa de fugir dali.

-Eu tinha namorado na época. -digo.

Era verdade isso, eu namorava o Vitor, e acho que por isso não fiquei entusiasmada como Amanda e Rafaela. Elas não tinham namorados e quando viram o Gabriel no prédio elas "piraram".

Como eu morava no prédio dava uma de espiã quando podia e descobria as coisas para elas, era meu passatempo já que nessa época o Vitor mal me chamava para sair como antes.
E enquanto não descobria o nome dele veio o apelido, mas em pouco tempo vi sua conta de luz e já soube que seu nome era Gabriel, Gabriel Guimarães...

-Mas e agora, você me acha bonito? -ele insiste.

-Por que ta perguntando? -pergunto.

-Não sei, quando eu vim pra cá eu havia terminado de sair de um namoro, e te achei bonita. -ele assume.

É isso produção?
Sério que eu ouvi isso?

-De que época você está falando? -pergunto.

-Eu estou falando de quando eu cheguei aqui. -ele conta.

-Mas você nunca nem se quer olhou pra mim. -eu digo indignada com o que estava ouvindo.

-Quer dizer que você reparava se olhava pra você? -ele pergunta me deixando entre a cruz e a morte.

-Não! -digo. -Era pelas minhas amigas. -termino.

-Sei. -ele diz duvidoso.

-É sério. -digo.

-Mas você não me respondeu. -ele diz.

-Mas por que você quer saber? Faz alguma diferença pra você? -pergunto.

-Faz toda diferença. -ele me assusta falando assim.

-Como assim "toda diferença"? -pergunto.

-Eu confessei que te acho bonita, agora é sua vez. -ele explica.

-Você até que é bonitinho. -digo.

-Bonitinho? -ele pergunta.

-É, bonitinho. -termino.

-Nossa, que decepção. -ele faz bico.

-Se você está tentando jogar um papo em cima de mim aqui nesse elevador perca as esperanças, por que eu estou mais carente do que você imagina, e qualquer coisa que me falam quando estou assim eu levo a sério. -solto tudo.

-Quem está dizendo que eu estou jogando algum papo em cima de você? -ele pergunta me fazendo me sentir uma idiota pelo que eu disse antes, e a luz da lanterna que ele refletia no meu rosto estava incomodando.

-Então o que você quis dizer com eu te achar bonito? -pergunto com raiva.

-Eu só queria saber mesmo. -ele diz olhando para o teto.

-Idiota... -murmúro baixo.

-Oi? -ele chama.

-Não é nada... -digo baixo abraçando as minhas pernas devido a vergonha e o frio.

Por que ele toca nesse assunto assim e em seguida praticamente acaba comigo. Esse Gabriel é um cretino.

Não que eu esteja me incomodando com ele, ou com oque ele pensa de mim.
Mas ele foi péssimo, como ele diz que eu sou bonita, pergunta se eu acho o mesmo.
Será que minha carência está fazendo eu delirar?
Só pode.
Mas geralmente quando alguém começa assim esta querendo jogar um papo em você, mas apesar da minha vergonha eu queria conversar com ele...

-O Fumaça está no seu apartamento? -pergunto.

-Oi? -ele parecia não ter entendido.

-Meu "cachorrinho". -digo sem olhar pra ele.

-Ah, está sim. Eu já ia no seu apartamento te avisar, até por que eu achei que você estava preocupada. -ele diz apagando e acendendo a lanterna.

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