(6) Foi tudo na biblioteca

220 24 5
                                    

-Que foi? -ele pergunta assim que me viro.

-Nada. -digo.

Minha voz me traí por completo fazendo aquele "nada" sair mais fino que a risada das hienas no filme Rei Leão.

-Você está chorando? -ele pergunta.

-Eu chorando? Eu lá sou de chorar. -digo firme.

-Você está chorando sim. -ele insite.

-Para de ser idiota caramba. -digo me desviando dele.

-Pera ai. -ele puxa meu braço.

-Que foi? -pergunto.

-Essa música. -ele diz.

-Que música imbecil? -pergunto. Não estava ouvindo nada.

-A que você acabou de cantar. -ele indaga.

-Eu não estava cantando. -digo me virando para ir.

-Fala sério, você mente muito na cara dura ainda. -ele diz seriamente.

-Problema meu, não acha? -digo sem olhar pra ele.

-Ei. -ele puxa meu braço de novo.

-Que foi?! -reclamo.

-Sua voz é linda. -ele diz descendo a mão do meu braço e indo até minha mão, onde ele segurou.

-Obrigada. -digo olhando para a mão dele segurando a minha, e depois pra ele, ao menos a luz daquela enorme lua cheia ajudava para dar ao menos um pouco de claridade.

-Fala por que estava chorando... -ele pede.

-Não é nada... -digo.

-É alguma coisa que eu fiz? -ele parecia preocupado.

-Não. -digo.

-Pode confiar em mim. -ele diz.

-São assuntos idiotas. -digo.

-Mais idiota que eu? -ele pergunta me fazendo rir.

-Seu nível de idiotice é incomparável. -digo sorrindo.

-Nossa, obrigada pela parte que me toca. -ele se faz de ofendido.

-Então... -digo.

-Então o que? -ele pergunta.

-Já perdeu alguém especial? -pergunto.

-Sim. -ele diz.

-Então você sabe como é? -pergunto.

-Sei, eu perdi meu cachorro na rua e fiquei muito triste. -ele conta.

-Cara, você é um idiota! -puxo minha mão que estava com a dele.

-O que eu fiz? -ele pergunta sem entender.

-Eu estou falando de perder alguém, perder uma pessoa, perder uma pessoa especial para um câncer pulmonar. Será que você sabe o que é isso?
Ou ao menos parar de brincadeira quando eu falo sério.
Eu não sei porque tento falar sério com você, você é um imbecil mesmo. -solto tudo de uma vez e saio de perto dele, que dessa vez fica em silêncio absoluto.
Vou até as prateleiras da biblioteca onde posso me sentar e ficar em paz sozinha.
Eu não sabia o real motivo de eu estar assim, esse garoto me tirava do sério.
Eu não sei o que tenho na cabeça para pensar em confiar em alguém como ele, desse jeito completamente estúpido.

-Maria João? -ele chama depois de um tempo.

Evito responder aquele chamado.

-Ei, responde. -ele continua.

-Que foi? -Sou má educada.

-Onde você está? -ele pergunta.

-Sentada aqui. -digo séria.

Ouço ele vir em minha direção e parar.

-Estou aqui. -complemento para que ele me ouça.

Então ele se senta do meu lado.

-Desculpa... -ele pede.

-Tudo bem. -digo.

-Eu só queria ser divertido. -ele explica.

-Mas eu estava falando sério. -digo com raiva.

-Eu sei, por isso estou te pedindo perdão. -ele explica.

-Tudo bem. -digo.

Ficamos em silêncio por quase 10 minutos, quando ele finalmente resolve se manifestar.

-Se você quiser contar o motivo do seu choro, eu estou aqui. Pode desabafar, e prometo não me comportar feito um idiota. -ele pede baixo.

Fico em silêncio, não queria falar nada.

-Tudo bem, eu entendo. -ele diz e vai se levantando, mas eu seguro sua mão.

-Tudo bem, eu falo. -digo.

Ele então se senta ao meu lado em silêncio esperando algo de mim.

-Já faz algum tempo... Bem, eu perdi meu pai para um câncer e isso dói muito. -explico.

-Nossa... Eu sinto muito. -ele diz compreensivo.

-Eu sinto falta dele, é uma saudade inexplicável. É difícil dizer quanta falta ele faz. -digo sentindo lágrimas brotarem.

Alisson então me abraça.

-Eu queria saber um jeito de te ajudar. É meio constrangedor quando estamos falando de um assunto assim...
Mas sabe de uma coisa: Eu tenho certeza que seu pai está feliz em vê o quanto você é forte. -ele diz.

Apesar do quanto estava chateada, eu nunca iria imaginar que ele fosse tão diferente do que eu imaginava, ainda mais nesse sentido, confesso que o que ele disse me acalmou bastante.

-Obrigada. -digo ainda de cabeça baixa.

-Olha. -ele levanta minha cabeça pelo queixo. -Apesar de que na maioria das vezes eu me comporto como um chato, eu sei que a vida põe provas no caminho, algumas vezes a nos vida machuca, mas Deus sabe de todas as coisas. -ele continua.

-Você tem razão. -digo.

-Quem entende esse destino? Quem iria imaginar que o destino preparou essa cilada pra gente, de ficar presos nessa biblioteca sem luz, e sem rede telefônica.
A vida é assim mesmo, mas tudo temos que levar como lição. Seu pai está olhando por você, tenho certeza. -ele termina.

Como é que pode alguém como ele dizer palavras tão bonitas?
Aí que eu chorei mesmo, não aguentava ouvir palavras como essas.
Abracei-o mais forte enquanto chorava rios com tudo que ele me disse.

(...)

Blecaute Onde histórias criam vida. Descubra agora