Capítulo 30 - Parte 1

451 29 2
                                    

   Regina despertou de sua inconsciência subitamente, abrindo os olhos para encarar um teto empoeirado de pedra. Piscou pesadamente e virou-se para o lado, com naturalidade. Mas logo, olhando ao seu redor, para as cortinas brancas que cercavam a cama macia onde estava deitada, ela deu-se conta de que não sabia que lugar era aquele.

– Emma? – murmurou, chamando pelo primeiro nome que viera a sua mente. Sentou-se na cama, olhando para os cobertores de veludo que a envolviam, e notou surpresa que aquela cama se parecia exatamente com sua cama antiga – não a de Storybrooke ou do palácio, mas a de quando ela era jovem e vivia com os pais. Piscou confusa, tentando entender que lugar era aquele.

Descobriu-se dos lençóis, abriu a cortina ao seu lado e sentou-se na beirada da cama, olhando para o ambiente ao seu redor. E concluiu que aquela cama não era parecida com a sua; era, de fato, sua antiga cama. O lugar onde ela se encontrava era o espaçoso quarto que Regina tinha na casa de seus pais – era impossível não reconhecer aquelas paredes brancas de pedra, aquelas estantes repletas de livros grossos sobre cavalaria e aquelas poltronas altas. Tão logo reconheceu o lugar no qual se encontrava, ela deu-se conta de que não deveria estar ali – lembrou-se de Henry e Emma, e do que havia acontecido minutos antes. Como era possível? O raio a atingira e ela morrera – fora exatamente o que escolhera, para que todos os outros pudessem viver. O que ela estava fazendo ali, naquele local que não via há décadas, se estava morta?

Regina olhou para as próprias mãos, como que para averiguar se elas ainda eram de carne e osso. Suas costelas se moviam conforme ela respirava, seu coração pulsava no peito – ela estava, aparentemente, viva. Mas aquilo não fazia sentido. Andou até a larga janela tampada por finas cortinas adiante. Abriu as cortinas, e olhando pelo vidro da janela, ela pôde ver, sob um céu claro como ela não via há muito tempo, a paisagem ampla da fazenda de Cora e Henry – As árvores, a grama verde nos pastos onde cavalos e bois andavam, os rios caudalosos ao longe, o moinho de vento. Aquela era, definitivamente, a Floresta Encantada, não havia dúvidas.

Por um momento, Regina teve certeza de que aquela devia ser a tal vida após a morte, da qual todos falavam. Seria aquele o paraíso? Ou o purgatório? Ou talvez, pensou, seus atos cruéis do passado não fossem dignos do paraíso... Mas aquilo não parecia um inferno. Era sua casa, ora.

Regina afastou aqueles pensamentos. Seu lado cético ofereceu-lhe a possibilidade de que estava sonhando, mesmo que, tecnicamente, fosse impossível sonhar após a morte. Talvez aquilo fosse uma projeção pós-morte das memórias de toda a sua vida, embora parecesse real demais. Ao pensar em sonhos, uma hipótese assustadora passou por sua mente – e se Emma, Henry, Strorybrooke e a maldição nunca tivessem realmente existido? E se tudo o que ela acabara de viver fosse apenas um sonho?

Regina foi até o grande espelho colocado no canto do quarto. Olhou para si mesma e tocou seus cabelos. Eles estavam longos, atingindo a altura de seus ombros, como costumavam ser em sua juventude. Ela usava um longo e simples vestido branco de tecidos leves. Seu rosto parecia ter rejuvenescido muitos anos – sua pele estava mais macia, suas feições livres de qualquer ruga, e exprimindo uma pureza que não combinava mais com ela. De fato, ela parecia quase uma adolescente novamente.

– Onde eu estou? – perguntou-se em voz alta, enquanto olhava ao redor do quarto, cujo conforto agora parecia algo distante.

Seu coração acelerou e ela quase exprimiu um grito de pavor quando viu uma figura parada atrás dela pelo espelho. Virou-se para trás, ofegante, e viu que era a Fada Azul quem a encarava. Ela usava seus trajes espalhafatosos de fada, mas estava assumindo um tamanho humano.

– Está em sua casa, é claro. – respondeu a fada.

– Você me assustou! – exclamou Regina. Em seguida, perguntou: - Eu percebi isso. Mas como é possível? Eu não deveria estar... Morta?

– Bem... Deveria. – explicou ela. - Mas eu resolvi te dar uma segunda chance, visto que você morreu de forma altruísta, corajosa e verdadeira.

Regina franziu as sobrancelhas. Uma segunda chance? Para ela? Era inacreditável.

– Você acha que eu mereço uma segunda chance? – ela indagou.

– É claro que merece, Regina! Você abriu mão da própria vida quando poderia ter continuado viva com Henry. Você é uma heroína agora, e heróis merecem segundas chances.

Regina sorriu. Jamais pensou que ouviria aquilo de uma fada. Mas ainda assim, perguntou:

– Eu não entendo... Como posso estar viva de novo? Eu pensei que "não se pode trazer os mortos de volta à vida" fosse uma das regras fundamentais da magia.

– E é. – respondeu a fada. – Mas quando alguém morre de forma altruísta, sacrificando-se por uma causa justa ou para salvar alguém, nos é permitido quebrar algumas regras para dar a esta pessoa uma nova chance. É como o que eu fiz com Pinóquio, trazendo-o de volta à vida como uma criança.

– Então, se alguém morrer de forma altruísta várias vezes... Voltaria em todas elas? – questionou Regina, tentando soar despretensiosa.

– É claro que não. Só podemos fazer isso uma única vez para cada pessoa. Então, da próxima vez que você morrer... Será definitivo.

Regina assentiu.

– Mas eu ainda não entendo porque estou aqui. Por que me trazer de volta ao meu passado? – perguntou, lembrando-se de todas as coisas dolorosas que vivera naquela época. Não que as outras épocas de sua vida houvessem sido melhores.

– Porque segundas chances não podem ser perfeitas. – ela explicou. – Eu tinha que mudar algum aspecto significativo de sua vida para que pudesse ser feito.

– E você escolheu retroceder décadas? Não poderia ter simplesmente me deixado continuar lá, com Henry e Emma? Não poderia ter ao menos apagado minhas memórias? – rebateu ela, impaciente. Não sabia se conseguiria viver com aquelas lembranças dos dois sem poder vivenciá-las.

– Eu quis te dar uma segunda chance literal, Regina. – explicou a Fada Azul, parecendo esforçar-se para soar condescendente. – Eu pensei que seria interessante trazer você de volta a esta época porque... Bem, foi aqui que tudo começou. Se você agir sabiamente, com as memórias das coisas ruins que causou, poderá evitar todas elas. Estou te dando uma oportunidade de fazer tudo diferente. De ter a vida que sempre sonhou ao lado do homem que amava.

Daniel. Regina sorriu ao lembrar-se dele. Em outro tempo, ela daria qualquer coisa por uma nova chance com ele. Mas aquela possibilidade já não lhe encantava tanto; Emma era seu verdadeiro amor agora.

– Você não me ajudou quando eu precisava – despejou ela, rancorosa. – Não me procurou quando eu fui obrigada a me casar com um homem que não amava. Ou quando eu estava sendo torturada pela minha própria mãe, ou quando meu verdadeiro amor morreu. Jamais se lembrou da garota que, sofrendo sem ajuda, procurava por Rumplestiltskin para encontrar a felicidade nas trevas. Fadas ajudam pessoas que precisam, é esse o trabalho de vocês. E, no entanto, você preferiu deixar que eu me tornasse um monstro do que se arriscar a mexer com o Senhor das Trevas e a mulher que arrancava corações. E agora, depois da minha morte, você quer me trazer de volta à época em que tudo deu errado? Para que eu mude meu destino sozinha, depois de tudo o que vivi? – ao terminar de falar, sua voz estava trêmula e seus olhos lacrimejantes.

– Eu sinto muito, Regina. – sussurrou ela. – Eu sei que fui covarde e, devo confessar, eu tinha certo interesse no que o seu sofrimento causaria futuramente. Isso foi errado, mas lembre-se de que Tinkerbell tentou te ajudar e você recusou para continuar alimentando seu ódio.

– Isso foi porque ela chegou tarde demais. – expressou Regina, com um olhar distante. – Eu já estava destruída por dentro. E, além disso, talvez ela pudesse ter me oferecido uma ajuda melhor se você a desse uma chance de mostrar seu potencial.

– Nunca é tarde demais, Regina. – disse Blue Fairy, ignorando o último comentário. – E é isso o que estou tentando te mostrar. Estou te dando o primeiro passo, mas o resto é com você. Assuma o controle de sua vida. Seja forte. E evite todas as consequências terríveis que os seus erros trouxeram.

– Você está me pedindo para entrar em um casamento indesejado e ficar feliz com isso?

– Não! Talvez você não tenha que se casar com o Rei. Este dia... O dia de hoje, para o qual eu te trouxe... É o dia em que você salvou Snow White do cavalo desgovernado. Amanhã, o Rei Leopold deverá pedir sua mão em casamento, mas você não precisa aceitar. Sua mãe só te obrigou a fazer isso porque ela não tinha o coração no peito. Talvez, se você encontrá-lo e devolvê-lo ao lugar que ele pertence... Ela enxergue o que realmente é melhor para você. E permita que você seja feliz com Daniel.

Regina refletiu sobre aquilo por um momento. Sua mãe sempre lhe parecera tão naturalmente ambiciosa que era difícil para ela imaginá-la permitindo que a filha se casasse com um limpador de estábulos. Mas ainda assim, a lembrança de seu último olhar, quando sua vida se esvaía nos braços de Regina, fez com que ela acreditasse que o que a fada dizia não era totalmente sem sentido. "Você seria o suficiente" fora a última frase dita por ela, e Regina tentou se concentrar naquilo.

– Você acha? – perguntou.

– Acho. – respondeu a fada. – Acredite, a ausência de um coração torna uma pessoa capaz de coisas inimagináveis.

– E como eu encontrarei o coração dela? Minha mãe o esconde muito bem. Ela nunca me contou onde o guardava.

– Está na câmara de corações dela. – disparou ela, como se fosse a coisa mais simples e óbvia do mundo.

Regina ergueu uma sobrancelha. Lembrava-se de onde o cofre de sua mãe ficava: escondido sob a lareira da sala de estar, que, se afastada através de magia, era engolida pela parede e se tornava uma larga passagem secreta para o local. Mas ela duvidava que o coração da mãe estivesse ali.

– Como você pode saber disso? – questionou.

– Eu sei mais do que você imagina. – disse ela apenas, sem mais explicações.

– Mas... Só isso? A única coisa que poderia derrotá-la, e ela o guarda no lugar mais óbvio de todos?

– Não é tão óbvio assim. O coração está escondido dentro de uma estátua na câmara, não nas caixas comuns com todos os outros. E, uma vez que você descer até lá e encontrá-lo, só precisará encontrar uma maneira de colocá-lo de volta no corpo de Cora sem que ela saiba. E todos os seus problemas estarão resolvidos.

– Você fala como se fosse fácil. Cora acabaria descobrindo. E se descobrir, eu tenho certeza que me castigará. Não quero passar por tudo aquilo de novo.

– Se arrisque, Regina. – insistiu. – Você não é mais aquela garota ingênua de antes. Seu corpo pode ter rejuvenescido, mas dentro de você, há a mesma inteligência e experiência de cinco minutos atrás. Use-a ao seu favor, e mude o rumo da sua vida.

– OK, suponhamos que eu consiga convencer minha mãe a aceitar meu romance com Daniel. – cedeu ela. - E quanto a todas as coisas que precisavam da Maldição para acontecer? Como Rumple reencontrando o filho? E há também a minha irmã. Mesmo que eu não me tornasse Rainha e nunca fosse para o outro mundo, Wilma ainda estaria por aí, em Oz ou qualquer outro reino, esperando para aparecer e acabar com a minha vida.

– Bem... A Maldição não era o único jeito de Rumplestiltskin encontrar o filho.

– O quê? – exclamou Regina. Droga, ela tinha uma resposta para tudo.

– As únicas coisas capazes de transportar alguém para um reino sem magia são a Maldição das Trevas, um guarda-roupa mágico... E os feijões mágicos.

Aquilo era verdade, pensou Regina. Mas os feijões mágicos eram raros e difíceis de conseguir fora da terra dos gigantes.

– E sua mãe possui dois feijões mágicos. – explicou a Fada. – Na época em que você se casou com o Rei, ela escondia dois deles para o caso de... Futuras negociações. Isso significa que há uma forma de Rumplestiltskin chegar até Baelfire sem precisar da maldição das trevas. E quanto à sua irmã... Bem, com o poder de Cora para protegê-la, tenho certeza de que ela não será uma ameaça.

– Como você sabe disso tudo?

– Bem... Eu sou uma fada. Eu sei de tudo o que acontece entre os humanos.

Regina suspirou, dando-se por vencida e concluindo que, de fato, ela podia mudar seu destino. Uma imagem surgiu em sua mente – ela em um vestido branco segurando as mãos de Daniel, sob um arco de flores, em um campo cheio de pessoas. Depois, Daniel e ela correndo pela fazenda e rindo com um pequeno garoto. Então a figura do garoto transformou-se em Henry. E logo Daniel transformou-se em Emma. Regina balançou a cabeça.

– E se eu não quiser? – perguntou ela. – E se eu não quiser viver aqui?

– Você tem três dias para se decidir – nem um dia a mais. Dentro destes três dias, se você resolver que não quer a chance que eu estou te dando... Só precisa me chamar, e eu desfarei tudo. E qualquer mudança que você tiver feito será apagada. Mas decida-se logo, porque ao fim deste prazo, será impossível te levar de volta, e tudo o que você tiver feito será permanente.

Regina assentiu, e perguntou, esperançosa:

– Então, se eu decidir voltar... Estarei viva de novo? E tudo voltará ao normal?

– Não. – respondeu a fada, secamente. – Esteja ciente de que, se voltarmos para o futuro, para Storybrooke... Tudo acontecerá exatamente da mesma forma que aconteceu antes. Incluindo a sua morte. E desta vez, eu não poderei revertê-la.

– Então... É isso ou a morte? – indagou Regina.

– Infelizmente, sim.

Give Me LoveWhere stories live. Discover now