::Capítulo 16:: Rebecca

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É claro que meu pai havia me contado sobre as características do acampamento, mas eu não imaginava a sua grandeza.
Centenas de cabanas, tendas e barracas (algumas improvisadas, outras não) se dispersavam em uma grande clareira bem escondida entre as árvores altas. Entre as instalações improvisadas encontravam-se pessoas das mais variadas idades preparando alimentos em fogueiras, lavando roupas em bacias, batendo papo e rindo umas com as outras. Poderia achar que fosse um acampamento normal, se não soubesse que era o Quartel General.
Enquanto caminhávamos, as pessoas vinham cumprimentar Camelia, Caio e Lisa, e nos olhavam de forma alerta. Então Camelia nos apresentava e as pessoas sorriam para nós. Uma garota adolescente de cabelos pretos trocou algumas palavras com Camelia em uma língua que eu não entendia, mas Camelia parecia entender e respondeu da mesma forma. A garota olhou para mim e para Cristopher, em seguida empurrou para trás os cabelos curtos e disse:

-Prazer em conhecê-los, eu me chamo Angelina, vou levar vocês para a enfermaria. Sigam-me.
Olhei para Camelia e ela assentiu. Murmurou mais algo para a garota, naquele idioma estranho. Então começamos a seguir Angelina.

-Eu não sabia que a soldado Tchanowsky tinha uma filha.- Disse de repente, virando em direção a mim.

-Não só uma, duas. Tenho uma irmã mais velha.- Respondi.
Ela pensou um pouco e se virou para Cristopher.

- Nunca imaginei que conheceria o príncipe Cristopher I.

- Eu também nunca imaginei que esse acampamento de fato existisse.

Todos ficam em silêncio, caminhamos mais um pouco, subimos um morro e o descemos logo em seguida.

-Chegamos.- Anuncia Angelina.
A construção simples era feita de madeira bruta, porém era caprichada e parecia resistente.
Passamos pela porta e me surpreendo com a visão. Pelo menos cem macas estavam dispostas em fileiras pelo cômodo aberto e espaçoso. Havia umas sessenta que estavam ocupadas por pacientes com os mais diversos gêneros e idades. Um senhor que aparentava ter pelo menos cinquenta anos dormia pesadamente, com o braço pendurado em uma espécie de tipoia presa ao teto de madeira. Enquanto um adolescente de no máximo dezesseis anos olhava para um ponto fixo no teto, não aparentava qualquer ferimento, mas parecia pálido e amarelado, a pele contrastando com os cabelos pretos como petróleo.
Angelina correu na sua direção e pôs a mão em sua cabeça. Começou a falar desesperadamente naquela língua curiosa, o garoto respondia lentamente da mesma forma. Uma mulher aparentemente saudável veio em nossa direção.

-O que querem aqui?- Disse rispidamente.
Eu não sabia o motivo de estarmos ali.

-Eles estavam perdidos na floresta há dias, precisam de uma avaliação.- Diz Angelina atrás de mim e de Cristopher.

-Venham comigo.- Diz a mulher nos conduzindo a um cômodo separado, delimitado por uma cortina. Dentro da sala havia uma maca, alguns instrumentos médicos e alguns frascos com líquidos de diferentes cores.

-Quem vai primeiro?- Pergunta a mulher.
Cristopher se adianta e deita na maca. A mulher murmura para ele tirar a camisa e ele o faz, ela se apavora.
-Como ainda está vivo?!- Grita pasma.

-Graças a Rebecca.- Ele diz vagamente.
Ela lança o olhar em minha direção, capto um brilho diferente em suas íris azuis. Em seguida ela vira novamente para o corte semi-cicatrizado de Cristopher. Ela apanha alguns frascos da prateleira e aplica seus conteúdos no ferimento, fazendo Cristopher berrar. Então ela faz um curativo limpo e decente em seu abdômen e diz:

-Ele vai precisar ficar pelo menos três dias aqui, para acompanharmos a cicatrização e descartar o risco de infecção.
De repente sinto uma tontura e começo a suar frio. Me recosto na parede, vejo que a enfermeira percebeu. Ela vem em minha direção correndo. Então tudo fica escuro e vazio.

* * *

Sonhei, ou tive uma experiência parecida, que estava em uma canoa sozinha, navegando em um rio pantanoso. De repente ouço uma risada sarcástica e olho para trás. Encontro Amelia Dickens rindo e olhando em minha direção, mas há algo errado com seus olhos, eles estão completamente brancos e parecem leitosos. Sua voz repentinamente começa a se modificar, virando uma espécie de guincho maligno. Ela grita com a voz estranha e eu sinto uma dor em meus ouvidos, o que leva ela a voltar a rir. Suas roupas completamente negras estão rasgadas e chamuscadas em algumas partes. Sua cabeça vira bruscamente e os braços voam para a frente.

-Não! Não!- Grita e começa a tossir e vomitar um lodo escuro e viscoso.- Não vai dar para escapar dessa vez, maldita Tchanowsky!- Ela acrescenta e abre a boca em um ângulo impossível, em seguida sua cabeça começa a tremer loucamente e a crise de vômitos volta, desta vez o líquido é mais escuro.
A cabeça se inclina para o lado repentinamente e ela começa a chorar, os olhos leitosos ficam amarelados. Guinchos e gemidos demoníacos começam a sair de sua boca. Eu fico realmente apavorada e começo a rezar em voz alta, mas isso só serve para irritá-la mais ainda, agora ela levava as mãos aos ouvidos e gritava o mais alto possível. De repente, quando eu menos esperava, ela desmaiou no barco. Os braços estendidos para a frente e a cabeça se submergindo na poça de vômito. Eu olho para os lados e não lembro de mais nada depois disso.

* * *

Acordei com uma dor de cabeça horrível, que acompanhava a dor no peito e a angústia que eu sentia. Olhei para o ambiente ao meu redor. Estava na enfermaria do Quartel General. Ao meu lado esquerdo havia uma maca vazia, e no direito, aquele garoto por quem Angelina estivera preocupada. Percebo que ele me olha fixamente.

-Olá.- Digo-lhe amigavelmente.
Ele continua me olhando. Os olhos muito azuis penetrando os meus verdes.

-Oi, Rebecca.- Ele responde normalmente.
Meu coração acelera.

-Prazer, Gust.-Respondi gentilmente.
De repente Angelina entrou na enfermaria e correu em direção a Gust. Falou naquele idioma e beijou-lhe a testa. Depois me cumprimentou e foi falar com uma enfermeira.

-Angelina é sua namorada?- Perguntei, curiosa.

-A Angie? Não não.- Disse ele soltando risinhos. -Ela é minha irmã mais nova.
Que erro ridículo eu cometera!

-Ah...- Tentava formular uma resposta quando uma enfermeira alta chegou e disse:

-Hora de trocar o curativo.
"Que curativo?" pensei, então me lembrei da picada de cobra...
A enfermeira puxou minha perna para o seu lado e começou a remover os curativos lenta e dolorosamente. As gazes estavam manchadas de pus e sangue. O cheiro era horrível, por isso senti uma náusea e fiquei tonta. Olhei para a marca da mordida. Ao seu redor toda a pele exibia um inchaço acentuado e um tom amarelo esverdeado. Gust olhava com interesse para o meu tornozelo.

-Acredite, está bem melhor do que era antes.- Sussurrou.

-Como conseguiram?- Perguntei à enfermeira.

-A maior parte do veneno seu namorado sugara, então nós removemos mais um pouco de sangue e agora estamos tratando somente a ferida, que como você vê, infeccionou. Porém não restou praticamente nada do veneno da cobra.- Disse sorrindo. Fico observando ela trocar os curativos e pensando em como estaria se não fosse por Cristopher.

O Príncipe e a ServaOnde histórias criam vida. Descubra agora