Acordei de súbito, como se minha alma tivesse saído de meu corpo e depois voltara. Estranhei o ambiente ao meu redor. Estaria eu sonhando ou estava no meio de uma floresta? Olhei para o lado e vi Rebecca adormecida, sem hesitar acordei-a, queria saber o que acontecera. Ela despertou assustada, coçou os olhos e olhou em minha direção. A floresta estava tão escura que era difícil ver seu rosto.
-Cristopher!- Ela me abraçou- Que bom que acordou!
-O que aconteceu? Como viemos parar aqui?- Perguntei.
-É uma longa história, amanhã esclarecerei tudo. Mas agora preciso dormir, estou realmente cansada.- Disse e se virou para o outro lado. Ouço sua respiração se acalmar e percebo que ela adormecera. Fico observado seu rosto e a floresta ao redor por alguns instantes, depois viro-me e tento dormir, mas sinto sede...e fome. Me pergunto se Rebecca trouxera alguma coisa para comer ou beber, então avisto minhas duas bolsas de couro ao lado de sua cabeça. Tento me levantar, mas volto imediatamente a me deitar, pois sinto uma tontura horrível invadir-me e a minha visão embaça. Com receio de acordar Rebecca, desisto e viro para o lado, até que adormeço, sentindo fome e sede mesmo.
* * *
Ambos acordamos com os raios de sol que conseguiam penetrar os galhos castigando nossos rostos. Eu queria dormir mais, mas perdi as esperanças quando vi Rebecca se levantar, prender o cabelo e começar a apanhar as coisas. Eu não dormira nada bem na noite anterior, os mosquitos praticamente devoraram todas as partes do meu corpo que estavam descobertas. Sentia muita coceira ao redor das pequenas picadas.
Tento me sentar, mas a mesma tontura que eu sentira durante a madrugada me acomete novamente, desta vez com muito mais intensidade. Desabo novamente no lençol, sentindo toda a insignificante quantidade de força se esvair rapidamente do meu corpo, sinto uma insistente dor aguda que havia sentido também durante a noite nas costelas, mas ignoro, achando ser apenas uma dor causada por uma posição incorreta em que dormi. Rebecca percebe e corre para apanhar uma das garrafas de água que antes eram guardadas no meu quarto. Eu tento sustentar o peso da garrafa de vidro em minhas mãos, mas não obtenho sucesso, de modo que Rebecca passa a ter que segurá-la e depositar lentamente o líquido em minha boca.
Quando a primeira gota de água atinge minha língua, eu sinto como se antes estivera morto e agora a vida estava me sendo devolvida em forma líquida. Era simplesmente a melhor água que eu já bebera. Conforme ela descia pelo meu esôfago, eu sentia um jorro de vitalidade penetrando minhas células. Era a melhor sensação que um ser humano poderia sentir. Bebi a água até meu estômago protestar por se sentir cheio, então Rebecca recolhe a garrafa, põe a rolha e a guarda de volta em uma das bolsas. Consigo me sentar e percebo que estou suando freneticamente. Desabotoo o paletó e o tiro, a dor neste momento se intensifica, em seguida faço o mesmo com o colete, de modo a só ficar com a camisa de botões branca. Percebo que Rebecca também teve que adaptar suas roupas ao ambiente, uma parte significativa da saia do uniforme estava rasgada. Rebecca recolhe as roupas que tirei, amontoa elas e enfia de qualquer jeito na bolsa que se encontrava mais vazia. Quando ela se aproxima de mim para me ajudar a me levantar, eu a abraço com toda a pouca força que me sobrou, ela recosta a cabeça sobre o meu ombro e seu corpo começa a tremer, percebo que ela está chorando e começo a acariciar seus cabelos. Ela me abraça com força e sinto a familiar e repentina dor excruciante na região das costelas. Me afasto e olho para a região dolorida. Nela há um corte de aparência profunda. Eu estivera cansado demais para perceber um problema tão grande em meu próprio corpo?! Um ferimento destas proporções, sem tratamento adequado e com a sua vítima perdida na floresta tinha muitas chances de se tornar o lar de uma grande infecção que poderia resultar em morte. Retiro a camisa manchada de sangue e amarro fortemente sobre o peito e as costelas para formar uma atadura. A dor é intensa, mas suportável.
Me levanto com o auxílio de Rebecca e apanho uma das bolsas no chão para levá-la, ela protesta dizendo que eu ainda estava muito enfraquecido para carregar pesos, eu retruco dizendo que sou capaz e ponho a bolsa a tiracolo.-Nossa prioridade é achar comida.- Diz Rebecca. Eu faço que sim com a cabeça.
-Mas não temos nenhum tipo de arma para caçar.- Digo-lhe.
-Podemos fazer um arco ou uma zarabatana.
-Boa idéia, vamos procurar os materiais necessários.
* * *
Aproximadamente uma hora e meia depois, conseguimos encontrar praticamente tudo o que precisamos para construir dois arcos e algumas flechas. Começamos amarrando as tiras de tecido nas extremidades dos galhos finos e flexíveis, apertamos bem para o galho ficar arqueado e a tira bastante tensa. Para as flechas nós usamos gravetos finos porém resistentes e lixamos uma das pontas para ficar pontuda, primeiro tentamos lixá-las usando uma pedra, o que era extremamente complicado, mas então eu me lembro de uma pequena faca decorada que sempre guardava no bolso do paletó e decidimos usá-la para a tarefa. Prontos os arcos, nós os testamos atirando em árvores, devo admitir que para iniciantes até que nos saímos bem. Depois fomos explorar a floresta um pouco mais longe e acidentalmente achamos o caminho para casa. Não era seguro voltar agora, quando todos acreditavam que estávamos mortos, uma vez que os rebeldes nos descobrissem, não teríamos a chance de escapar mais uma vez. Ao longo do caminho nós conseguimos coletar morangos silvestres e mais um tipo de fruta da qual eu nunca ouvira falar, mas Rebecca a conhecia. Também conseguimos caçar dois esquilos e achar um córrego com peixes e água limpa, mas não pescamos nenhum peixe pois não tínhamos material para isso. Já deveria ser meio-dia de acordo com a posição do sol, então decidimos nos instalar na beira do córrego para limpar as caças e as frutas. Eu fiquei com a pior tarefa, enquanto Rebecca acendia uma fogueira e lavava as frutas. Por fim, colocamos os esquilos devidamente limpos e sem vísceras para assar. Comemos a carne junto com as frutas e eu percebo que a comida nunca fora tão boa, o que Rebecca achou irônico; eu, um príncipe, que sempre comera tudo o que tinha vontade e tudo da melhor qualidade, me contentei com um assado de esquilo e algumas frutas silvestres? Eu tinha de concordar que era realmente irônico.

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O Príncipe e a Serva
Roman d'amourprólogo "Naquele dia pálido e triste, ela chegou como se fosse o sol, se destacando de todo o cinza e do marrom e do verde apagado. Era simplesmente o que faltava para tornar a paisagem perfeita, tão perfeita que nem parecia alguma coisa possível de...