Capítulo 8: Fique comigo

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Quando vou ver você de novo?

Uma semana havia se passado, e ela não tinha dado nem sinal. Como todos os dias, eu saia para andar pela fazenda, a noite caiu, e eu me sentei no chão na frente da casa. Desejando de todo coração que ela aparecesse. Segundos depois luzes de faróis surgiram no horizonte, me levantei em um susto, e me escondi na lateral da casa. Ouvi os pneus fazerem barulho ao frearem bruscamente, depois uma porta se abriu e algo se chocou contra o chão. Sai com cuidado, e nesse momento Aristeu saiu correndo da casa deixando, a porta aberta. A luz de dentro iluminou o corpo ensanguentado de Thamy, que estava com as roupas rasgadas. Com as asas abertas e uma delas estava cortada ao meio, somente presa ao seu corpo pela base. Seu rosto estava enterrado no chão, e ela respirava com dificuldade.

- Se mexa garoto e venha aqui me ajudar. - Sai do meu esconderijo e a peguei no colo. - Leve-a para cima, que vou preparar um banho para ela, e o remédio para seus machucados.

Coloquei-a na cama e tirei seus cabelos de seu rosto, acariciei sua face machucada e suja, sem saber muito bem o que eu poderia fazer.

- Caio? - Ela chamou meu nome.

- Sim sou eu, Thamy. - Me aproximei dela.

- Estou com medo... - Ela fitou-me com olhos atordoados.

- Calma, eu estou aqui. - A tomei nos braços e acariciei suas costas, tentando conforta-la. A ouvi murmurar coisas sem sentido, e continuei a sussurrar que tudo ficaria bem, tentando segurar as lagrimas que embaçavam minha visão.

Aristeu voltou com alguns remédios me entregou e a pegou no colo, tirando-a de meus braços; sem dificuldades. Algum tempo depois ele voltou com Thamy de roupas trocadas e aparentemente melhor, a deitou na cama e deu-lhe alguns remédios, ela logo adormeceu aparentemente exausta, Aristeu me guiou para fora do quarto e me aconselhando que seria melhor, deixa-la sozinha.

Depois de algumas horas me revirando no sofá, não aguentei. Entrei de mansinho no quarto e a vi dormindo tranquilamente, acariciei sua face e ela sorriu ao meu toque. Coloquei o travesseiro no chão ao lado de sua cama e deitei, me enrolando no cobertor, para poder me aquecer. Passei horas admirando seu rosto sereno, até não aguentar mais e adormecer.

Abri os olhos com a claridade do sol que entrava pelas cortinas da janela entre aberta, me espreguicei e bati na escrivaninha com os braços, derrubando tudo e fazendo muito barulho. Ela riu baixinho do meu desastre.

- Desculpe se te acordei. - Disse sentindo minhas bochechas corarem.

- Já estava acordada há algum tempo, vendo... - Aristeu a interrompeu entrando irado no quarto.

- O que está fazendo aqui rapaz, te disse para deixá-la descansar. - Eu já me levantava para poder juntar as canetas e papeis que eu havia derrubado, e me dirigia para a porta.

- Por favor, fique. - Ela pediu. Aristeu me olhou por cima dos ombros e bufou insatisfeito, antes de se retirar.

- Ah esses jovens. - Disse o velho enquanto descia as escadas.

- O que ia dizer? - Voltei a me sentar sobre o cobertor.

- Que estava te vendo dormir. - Ela disse inexpressiva.

Fiquei boquiaberto, e sem saber o que fazer. Seu jeito me deixava, sem reação, sem saber o que deveria ou não fazer, ou dizer. Sustentei seu olhar até que ela bufou e se virou de costas para mim, levantando a coberta até seu queixo.

Dei a volta na cama e me ajoelhei de frente para ela, puxei a coberta para ver seu rosto, mas ela não cedeu. Então fiz cocegas em sua barriga, por sobre o cobertor, e ela se contorceu na cama.

- Pare agora com isso. - Ela levantou a voz entre uma risada e outra.

Sentei no chão e voltei a olha-la, agora com as costas encostadas na parede.

- Como está se sentindo? - Indaguei depois de um silêncio constrangedor.

- Estou muito bem. - Baixou um pouco o cobertor e sorriu alegremente. - Me curo rápido, lembra. - Ainda deitada, Thamy abriu as asas, e estavam intactas, como se nunca tivessem sido machucadas.

- Fico feliz que esteja bem. - Retribui seu sorriso.

- Venham comer crianças. - Aristeu gritou do corredor.

- Para ele nós nunca vamos crescer. - Ela disse ao se levantar.

Descemos em silêncio até a cozinha e nos sentamos de frente um para o outro. Aristeu colocou pães frescos, leite e café na mesa. Nos servimos e depois de satisfeitos, nos levantamos e fomos arrumar a casa. Limpei o celeiro e depois em volta das árvores; retirando as flores que haviam caído. Era verão e o clima estava muito abafado e úmido. A vi sair da casa com um shorts jeans, que expunha suas belas e pálidas pernas, com uma blusa de mangas curtas que cai, expondo o ombro direito, e um tênis all star preto. Entrou na garagem e tirou de lá uma Harley Davidson Breakout preta, com rodas e escapamentos cromados. Vendo minha reação de entusiasmo, ela riu descontroladamente, acenou para mim, me chamando e eu deixei o rastelo na arvore e corri ao seu encontro.

- Linda não é? - Ela questionou-me, assim que me aproximei.

- Muito. - Admirei aquela belezinha.

- E como você está? - Ela perguntou-me.

- Bem melhor, quase não dói mais. - Sorri, desconcertado com sua aparente preocupação desnecessária.

- Agora vá arrumar suas coisas que partiremos ao cair do sol.

Fui até o quarto, às coisas dela já estavam arrumadas. Então peguei minhas roupas e as guardei na bolsa. Vasculhei o quarto a procura de algo que eu pudesse ter esquecido, mas não encontrei nada. Ela acelerou a moto me avisando que era a hora de ir. Desci apressado os degraus, parando apenas para me despedir de Aristeu.

- Obrigado por ter me acolhido e ter me tratado tão bem. - Abracei o velho carrancudo e ele retribuiu.

- Até garoto, juízo.

Sai pela porta com nossas malas. Ela havia mudado de roupa, vestia agora uma calça jeans e uma jaqueta de couro. Pegou sua bolsa de minhas mãos e a colocou sobre seus ombros. Me entregou o capacete e me fez sinal com a cabeça para que eu me sentasse na moto. Ela fez um sinal com a mão, se despedindo de Aristeu e arrancou à moto levantando poeira. Thamy dirigiu por muitos quilômetros até quase amanhecer. Admirei a vista e o vento batendo em meu corpo. Desfrutei do toque de seu corpo sobre o meu, e da sensação de paz e liberdade que aquele momento me trazia. Quando o sol nasceu, chegamos a um chalé na beira de um precipício. Era lindo e assustador. Ela parou a moto na frente da garagem e eu desci, tirei o capacete e andei até a lateral da casa. Admirei a paisagem. Abaixo havia um imenso mar de um azul cristalino, rodeado por montanhas altas, uma praia extensa e aparentemente deserta. A nossas costas havia uma imensa floresta.

- Bem vindo, a minha casa. - Disse Thamy, abrindo a porta da casa.

É tarde demais para fugir de tudo,

É tarde demais para ficar longe de tudo isso.

O Sabor da PerdiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora