Capítulo 16: Não é o fim

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Mesmo implorando para que meus olhos não se abrissem,

aquela foi minha segunda chance, e eu faria tudo diferente.

Acordei com uma dor de cabeça lancinante, pisquei várias vezes até acostumar meus olhos a luz do ambiente. Demorei vários minutos para me dar conta de meu corpo e do local ao meu redor. Parecia que eu tinha sido atropelado por um trem, pois tudo estava dolorido.

O lugar onde me encontrava se tratava de uma pequena cabana de madeira, ao lado da minha "cama", que na verdade estava mais para um amontoado de folhas e relva, se abria uma espécie de janela, moldada em meio as tábuas, sem vidros, o que deixava o ar carregado do aroma de folhas molhadas e flores silvestres. No centro, havia uma pequena mesa também de madeira e, sobre ela, descansava um copo de vidro e uma jarra de barro. Nos cantos haviam alguns móveis, como um pequeno sofá improvisado, uma espécie de armário que ficava sobre uma pía e havia mais dois cômodos atrás de mim. Quando fiz menção de me sentar, um senhor calvo, de cabelos brancos e um tanto encurvado entrou pela porta que dava acesso ao lado de fora da humilde casa. Ao me ver de olhos abertos, claramente se espantou, depositou o pequeno pote de barro e algumas folhas e flores de cores diversas sobre a mesa e, lentamente, veio ao meu encontro.

— Que alegria é ver seus pequenos olhos abertos, meu jovem. - Ele disse com um claro sotaque indiano e com um largo sorriso nos lábios enrugados. - Por favor, deite-se. Precisa descansar, está fraco ainda... Corpo e alma precisam de tempo para se restabelecer. - Ele depositou as mãos sobre meus ombros e me empurrou delicadamente forçando-me a deitar.

Ao sentir seu toque, um flash de lembranças me invadiu.

Eu estava amarrado em uma cama de madeira, com faixas em meus ombros, cintura, joelhos e tornozelos. Me debatia ferozmente enquanto o capanga se aproximou e me apertou contra a cama com uma imensa força que fez meus ombros saírem do lugar. Eu senti a dor incalculável de algo se rompendo e gritei com todas as forças em meio a seus risos histéricos.

Encolhi-me na cama e me dei conta de que fechava os olhos com força. A cada movimento sentia dor e uma articulação nova se estralava em resposta... Sim, eu vivi aquilo.

— Não tenha medo. - Disse o velho. - Estou aqui para te ajudar em seu destino, e em favor de uma velha amiga. - Ele disse se afastando e indo em direção a mesa.

— Guidha. - Eu só conseguia pensar nesse nome.

— Não. - Ele cheirou algumas folhas e flores e selecionou algumas jogando-as na vasilha, cuspiu e amassou-as com uma espécie de galho, e sorriu desdenhoso. - Aquela víbora merece arder no mármore do inferno.- Ele pigarreou, tentando voltar ao tom habitual. - Me refiro a Thamyla.

Ouvir seu nome fez meu coração palpitar descompassado e como se pudesse ouvi-lo, o velho sorriu. Voltou novamente para perto de mim.

— Mujhē usē sparśa karatē haiṁ - Disse em seu idioma nativo, o Híndi.– E so então voltou a tocar-me. Involuntariamente eu me encolhi um pouco, mas seu toque não trouxe-me mais lembranças e então pude relaxar.

— Yahī kāraṇa hai ki prakr̥ti rakhēṅgē aura sabhī darda sē mukta sēṭa pyāra karatā hūm̐, āpa ṭhīka hai. - Repetiu essas palavras a cada novo toque, enquanto passava a espécie de pasta das plantas amassadas em cada ferida que encontrava.

Como que em resposta meu corpo se tranquilizou e parou de latejar, me permitindo então aconchegar na "cama" como se ela fosse tão macia e acolhedora como uma nuvem fofa. Sentia como se até minha alma se tranquilizasse e entendesse que poderia não se preocupar e se dar o descanso por aquele pequeno espaço de tempo.

O Sabor da PerdiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora