Capítulo I - O começo de tudo

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Sentada sobre a cama, sinto o vento forte e gelado que ecoa em meu quarto com ferocidade o suficiente para me fazer estremecer.

Olho acima da penteadeira o velho calendário com todas as anotações de datas felizes que tivemos no passado, o qual consome profundamente a alma e que ainda hoje é tão presente na lembrança.

O ano em que conto essa velha história já não mais importa! E embora tenha se passado alguns anos desde a última vez em que segurei suas mãos entre as minhas, não consigo esquecer os momentos de alegria e de todos os projetos que conseguimos realizar juntos.

Desfazer-me desse calendário é como amassar nossas lembranças e amontoá-las em uma grande pirâmide de lixo, onde o vento se encarrega de soprar e espalhar todos os acontecimentos de pura felicidade que vivemos.

Penso que a vida é um grande quebra-cabeça em que nos empenhamos para montar todas as peças de modo com que fique fácil a compreensão do desenho a ser formado.

Lembrar da nossa vida em conjunto me faz refletir no momento em que tudo começou, o mais engraçado é tentar desvendar o que me trouxe até aqui.

— Minha vida? — pergunto-me como uma conversa entre duas pessoas.

— Ainda não consegui decifrar muitas coisas, mas tenho certeza que no futuro irei me conformar e voltarei a sorrir com felicidade novamente.

A pessoa sentada à minha frente fixa o olhar em mim ao mesmo tempo em que faz pequenas anotações em um bloco de notas, o que, ao final, se tornará o rascunho da minha história maluca e alucinada de um amor consumista, regido por um homem que qualquer mulher na face desse planeta se apaixonaria.

Noto claramente a emoção florescer no canto dos olhos, brotando lágrimas que ela seca disfarçadamente com as costas da mão.

Por fim, sou arrancada de meus devaneios quando ouço-a dizer.

— Senhorita Miller, li algumas matérias e reportagens a respeito da história de amor que viveu, mas adoraria ouvir como tudo aconteceu de fato.

Com o maior esforço do mundo, sorrio e, segurando o choro preso na garganta, genuinamente, começo o meu feliz e triste relato.

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Olá, senhora Martinez, tudo bem?

A mulher de idade avançada, calçando pantufas surradas e com cabelos esbranquiçados levemente desarrumados, parece não querer muita conversa hoje. Sua resposta é um leve aceno de mão, o que parece ser um oi mal-humorado ou algo do tipo "não fale comigo!"

É difícil acreditar que é proprietária da maioria dos apartamentos desse condomínio, o que me faz imaginar a dificuldade que tem de dialogar com os interessados em alugar um novo lar para morar.

Olho em sua direção e não consigo segurar nos lábios um leve sorriso e, por uma fração de segundos, coloco-me em seu lugar e imagino ser idosa também. Imediatamente, friso em meu subconsciente para que eu possa me lembrar de ser mais simpática e de bem com a vida quando as rugas começarem a aparecer e, por um intermédio da natureza, entregar a minha verdadeira idade.

Volto à realidade rapidamente e tranquilizo-me ao constatar que só tenho vinte e um anos de idade e ainda falta algum tempo até chegar à velhice.

Subo as escadas correndo, porém com cautela para não tropeçar e quebrar um braço ou uma perna depois de deixar o lixo em um local quebrado e sujo que deram o nome de calçada.

Mentalmente, chamo a atenção tentando me policiar e deixando anotado em na memória mais um ponto entre tantos a ser melhorado em minha personalidade forte e sem noção.

Amor Irreal - O DespertarOnde histórias criam vida. Descubra agora