Seus cabelos afagam
as mãos calejadas de seus filhos,
depois de tanta senzala
e tanta sarjeta.Ela é filha das águas que vem da África
E desaguam no recôncavo baiano
Seus pés flutuam nas águas
cor de esmeralda.Águas onde os grandes leviatãs
cheios de bandeiras, correntes, e chicotes
cuspiam os da cor mais preta, cor de ébano.
Condenavam sua religião, sua cultura, sua pele, sua existência.Aqueles que na terra mãe recebiam comida, amor e abrigo
eram chamados de guerreiros e princesas
Aqui eram obrigados a trabalhar cortando cana sob o sol,
colhendo café e assando pão.A sereia se deita sobre os arrecifes
e penteia seus cabelos (que têm perfume de açucenas)
com o pente talhado em madeira
dos boabás que brotam em Angola.Sua coroa e seus colares adornam
as mais brilhantes pérolas e rubis, alternados por búzios
Em seus dedos brilham anéis únicos em tanta exuberância
presenteadas por irmã Oxum.O homem branco lhe diz Bárbara
A outr com ela, Conceição
Mas não importa como a chamam.
Seus ventos sopram um batuque, um batuque de samba
Seus raios quebram todas as algemas de seu povo.Seu belo cantar,
um cantar de sereia
se mistura ao grito dos quilombos
e à armada de Zumbi
Todos numa só voz que canta em iourubá.
Uma sereia vestida
de escamas douradas,
de cabelos grandes,
negros e macios.Sua beleza traz tamanho encantamento
Que o firmamento inteiro desaba
E sua força toda se transforma em chumbo
Fazendo escorrer as águas de junho.Suas águas vem molhar a terra seca
Faz crescer a vida de novo no sertão
E o sertanejo arranca a vida com a mão.-Bruno Freire
Arte por Christian Schloe
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Dentro da Noite Silenciosa
PoetryPoesias que escrevo no ímpeto, sob uma necessidade vital.