Entorpecido com o vazio no meio do tronco
um nada personificado
um buraco negro que suga todas as pequenas alegrias que surgem em volta esporadicamente
a cada alegria sugada, aumenta um pouco mais o seu tamanho
ele fez-se presente em mim permanentemente
entrou não sei quando
e veio não sei de onde
quando vi, já estava lá
tomei um susto quando me dei conta da sua presença
mas conforme os dias iam passando fui me acostumando
aprendemos a nos acostumar com cada coisa, não é?
até com as que se mostram tão desagradáveis
uma vez vi em algum lugar a história de uma mulher que vivia normalmente com uma bala alojada em seu crânio
se lhe tirassem a bala, ela morreria em seguida
a bala que tinha por objetivo lhe tirar a vida tornou-se indispensável para mantê-la
hoje meu buraco negro de estimação me convenceu ser tão vital quanto a bala da desafortunada mulher
quando deito a cabeça no travesseiro é a hora que este poço no meio de mim solta seu grito de protesto
é no silêncio da noite que seus gemidos pulsantes mais me perturbam
procuro me ocupar com uma música, um filme, uma conversa
qualquer coisa que silencie seus murmúrios
infelizmente, algumas vezes fracasso
irei trilhar o meu caminho junto dele
e chegará o dia que meus cabelos ficarão grisalhos
meus passos ficarão lentos
minha memória falhará
e terei apenas como companhia o meu amigo junto a mim
lhe abraçarei como quem abraça um filho
que tenha decepcionado o pai
mas que ainda assim este pai lhe tem lugar reservado entre os braços
porque o vazio, esse vazio criado e cultivado involuntariamente em meu ser,
ninguém o rouba mais de mim.-Bruno Freire
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Dentro da Noite Silenciosa
PuisiPoesias que escrevo no ímpeto, sob uma necessidade vital.